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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

AMANHECER




Jovem escritor, romancista, ávido por novas descobertas, entediado por manter uma escrita puramente comercial, na década de 70, resolvi sair e viajar pelo Brasil. Semanas,  meses  e até anos num projeto ambicioso, em busca de  novas inspirações.  Sozinho e acompanhado, aqui e ali, de norte a sul do país, desvendando mistérios, lendas, contos, folclores, fatos reais, que se transformaram em  livros com histórias que enalteciam a  cultura de cada região.  Cidades maravilhosas, lugarejos aconchegantes, povo receptivo, histórias fascinantes contadas por eles enriquecendo meu acervo.
Todas as noites, pegava meu caderno registrava com detalhes as informações obtidas  nas praças, nos bares, nas pousadas. Interessante que cada um tinha um ponto de vista diferente sobre mesma história. Quantos amores, coronéis, assassinatos, brigas, adultérios, traição, milagres, acompanhavam  o rico momento de cada cidade  provinciana. Para que eu tivesse liberdade de ir e vir, decidi não me envolver emocionalmente, apesar de ter sido assediado  por belas jovens, dignas de meu amor e carinho, porém o objetivo  era registrar o maior número de fatos que marcassem cada lugar. Um envolvimento amoroso teria consequências devastadoras em minha trajetória em divulgar o que cada cidade tinha para contar.
Com meu trailer viajei todos os cantos do país. Pegava estrada sem destino. Um dia após viajar dez horas sem parar, cheguei  a Vila Velha no Espírito Santo, cidade exuberante e encantadora, belezas  naturais  brotam da terra, como as flores nos jardins, o movimento de cidade grande, porém mantendo o carinho e a cumplicidade do povo interiorano, quantas histórias teria ali para registrar. Apesar de cansado, andei mais alguns quilômetros a procura de um lugar que pudesse montar meu acampamento.
Impulsionado pela beleza de uma trilha adentrei-me na mata. Estacionei meu carro á beira de um grande lago, onde da outra margem pequenas montanhas se destacavam como uma linda obra da natureza, dando aquele lugar uma beleza incomparável. Inspirações repentinas tomaram conta de meu ser, uma pequena fogueira aquecia meus pés, com uma caneta nas mãos viajei com minha imaginação por lugares maravilhosos até adormecer.
Ao amanhecer fui surpreendido com o sol  e sua exuberante altivez  coloriu o céu de um alaranjado, dando as montanhas que cercavam o lago uma sobriedade matinal transmitindo um acalentador desejo de viver. Não satisfeito em me emocionar, a natureza espelhava o reflexo da luz do sol em suas águas e ao centro um pequeno barquinho a vela deslizava tranquilamente. Eu já havia despertado, embora acreditasse que estava ainda sonhando, pois  a imagem que tinha diante de meus olhos  parecia uma obra de arte que a natureza me presenteava. Enquanto admirava o cenário algo me chamou a atenção. Daquele barquinho saltou um corpo escultural e mergulhou nas águas cristalinas, criando ondas suaves, onde a cada braçada aproximava-se da margem uma bela jovem, que ergueu seus belos olhos negros, cabelos lisos e molhados e de pele  bronzeada vindo em minha direção.
Atônito, permaneci em silêncio. Seduzido a tanta beleza, observei-a sentando-se ao meu lado e pedindo-me uma tolha, enquanto enxugava seus cabelos fez inúmeras perguntas a meu respeito, convidou-me a nadar puxando-me pelas mãos. Enfeitiçado,  não ousei contrariá-la. Mergulhamos juntos, brincamos com os peixes, nadamos como se nos conhecêssemos a tempos. O reflexo do sol iluminava o lago, colorindo a vegetação que num bailado incessante dava a correnteza a certeza  que fazíamos parte daquela paisagem sedutora, onde jovens namorados faziam amor embriagados pela ternura e emoção. O cenário nos envolveu com uma paixão fulminante.
Nadamos até o barquinho, entre beijos e carinhos serviu-me iguarias. O amor exalava por nossos poros, vivemos horas de verdadeira paixão. Senti que havia provado o néctar dos deuses.
Precisava voltar ao trailer para buscar meus pertences. Ela pedia para que eu não fosse, que eu ficasse ao seu lado. Sorri demonstrando minha satisfação e meu interesse em retornar, e jurando amor eterno mergulhei em direção a margem onde voltaria imediatamente a fim de ficar ao seu lado pelo resto de minha vida.
Entre um mergulho e outro, eu gritava para que ficasse tranquila, pois voltaria o mais rápido possível. Ao avistar o trailer nadei ainda mais rápido. Aprecei-me em pegar algumas roupas, meu bloco de anotações para registrar tudo que estava acontecendo. Ao deixar o trailer fui surpreendido ao notar que o barquinho havia sumido. Mergulhei, nadei por horas, e nada de encontrar a mulher que pela primeira vez em minha vida mexeu com meus sentimentos, nem seu nome eu sabia, apenas  sentia que era a mulher de minha vida. Retornei as margens, o sol parecia estar parado como se só existisse o amanhecer, mantendo a beleza das montanhas  e o reflexo nas águas.  Procurei a pela morena e os olhos negros que me fascinaram,  todavia  somente o barquinho deixara de emoldurar a beleza da paisagem que destroçou meu coração de tanto amor. Por dias permaneci no acampamento, esperei exaustivamente o seu retorno, procurei as autoridades do lugar que me ajudaram na busca, mas sem nenhum sucesso. Aluguei um quarto no hotel, o mais antigo do lugar, para conhecer melhor a cidade e continuar minha busca em todos os lugares. Quando sai para jantar,  notei que no salão principal sobre a lareira  havia  uma escultura de bronze.
A escultura era de uma mulher, corpo escultural, com os cabelos lisos como se  molhados. Tive certeza, era a jovem do lago, a minha musa. Busquei informações sobre aquela escultura. Contaram-me uma triste história. “Um homem abandonado pela esposa, temendo que sua filha também o deixasse,  trancou-a num casebre á beira do lago. Dizem que certo dia, ao amanhecer, tendo o somente o sol como testemunha, a jovem desejosa de mudar o destino de sua vida,  conseguiu escapar do casebre,  avistou um barquinho no lago e tentou mergulhar até ele, sem saber nadar, debateu-se desesperadamente nas águas,  afogou-se e seu corpo nunca fora encontrado.
Dizem que toda manhã o sol brinda os turistas com um raio que os leva aos seus braços, e ela busca na eternidade um amor que a faça realmente feliz”.
Continuei a viajar pelo Brasil, escrevendo  e anotando minhas inspirações, mas  sempre que posso volto  ás margens do lago em Vila Velha, na esperança de um dia poder ser por ela escolhido para viver na eternidade, como o dito popular do local, descreve com tanta ternura.  


   

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