Com o crescimento desordenado e a exigência de novos espaços para atender um público especializado, e as novas tecnologias que vem determinando os novos rumos da cidade, a prefeitura de São Paulo autorizou, após várias demandas judiciais, a demolição de um famoso cartão postal da cidade, o velho casarão abandonado na avenida Ipiranga, para construir um edifício com alta tecnologia ambiental. A falta de conservação do imóvel e o eminente desabamento pelo precário estado das estruturas, ofereciam riscos á população. Foi determinada uma minuciosa vistoria no prédio. Para surpresa de todos foi descoberto no porão, um atelier com centenas de obras de arte, que estavam embalados, demonstrando que havia interesse de protegê-las quanto a ação do tempo.
Especialistas foram convocados para realizar um levantamento das obras armazenadas e ficaram deslumbrados com a qualidade de cada peça, entre elas cinco esculturas em pedra sabão chamou a atenção dos responsáveis pela inspeção, onde o requinte nos detalhes transmitiam o milagre da vida através de delicados traços.
Não foi difícil imaginar, que a criação de cada escultura demonstrava uma linda história de amor , onde as roupas esculpidas moldavam a silhueta feminina. Notou-se que um conjunto de esculturas era de uma mulher que perfilada retratava os momentos especiais de sua vida, em destaque seu nome Melissa e a data estavam gravados.
As esculturas a homenageava em 1920 vestida em um magnânimo e belíssimo vestido noiva, outra datada de 1922 onde estava grávida, esculpida detalhava a ternura de seu criador onde desvendava o segredo da vida. Já em 1927 acompanhada de uma criança, segurava a mão de uma menina. E as esculturas de 1931 e 1935, onde o artista abusou de sua sensibilidade trazendo á tona a experiência e a maturidade de uma mulher.
Encontraram documentos que mencionavam o nome do artista, Paulo Rangel Freitas, hoje considerado um dos maiores artistas brasileiros nesta arte. As obras foram cuidadosamente retiradas do local. O fato obteve repercussão junto aos meios de comunicação exigindo melhor investigação a fim de desvendar o segredo que o artista conseguiu ocultar.
Uma das maiores revistas com a parceria da prefeitura promoveram numa badaladíssima casa de espetáculo uma festa em homenagem aos 90 anos do escultor, falecido recentemente. Entregariam as maravilhosas obras encontradas, á sua esposa, Vivian, que no tão esperado dia do evento, cercada por filhos e netos, observava a cerimônia, e aguardava o momento de receber as esculturas. Enquanto o show Desenrolava com muita música, entrevistas e slides, contando a vida de nosso grande artista, sentada numa poltrona no anfiteatro, Vivian, de posse de um velho diário do artista, lia com emoção para ajudar a passar o tempo e controlar sua ansiedade; deixava a imaginação viajar por sua história. Através deste diário, tantas vezes lido, que Vivian confirmou o que sempre soube sobre os verdadeiros sentimentos de Paulo.
“Melissa, jovem, eleita por várias vezes a mais bela estudante do colégio, de família rica, estudava num dos melhores colégio de são Paulo situado na praça da República. Para manter o poder patriarcal , aos 13 anos fora prometida pelo pai
ao filho de uma família nobre, um dos barões do café da época, que residia num imponente casarão na Avenida Paulista.
Paulo Rangel, um belíssimo rapaz sorridente cativava a todos que o cercavam. Era muito assediado pelas jovens. Físico atlético, alto, cabelos lisos jogados sobre a testa, tinha um ar misterioso, principalmente quando serrava os olhos inclinando a cabeça sobre os ombros e fixava seu olhar sobre as pessoas, e um leve sorriso maroto na canto da boca. Esta característica deu-lhe notoriedade, principalmente entre as moças, que o achavam muito charmoso. Paulo era filho de um dos primeiros taxistas de São Paulo, moravam num decadente casarão que havia se tornado num dos cortiços da avenida Ipiranga, por volta de 1918. Aos dezessete anos trabalhava durante o dia no táxi para ajudar no orçamento familiar.
Prestava serviços de carro de aluguel para noivas aos finais de semana. Desde pequeno já era reconhecido por estar sempre envolvido com trabalhos manuais, Qualquer objeto era motivação para esculpir, e com o tempo suas esculturas foram sendo consideradas obras de arte. Estudava num colégio no bairro do Brás, onde participava de todas as atividades principalmente as esportivas. Morava próximo da Praça da República de onde assistia aos desfiles de 7 de Setembro com apresentação da fanfarra do colégio que trazia a sua frente a mais bela passista, não podia ser outra... Melissa, que era alvo de olhares por sua desenvoltura e graça. Sua atuação despertou em Paulo a magia do amor. Encantado com a formosa jovem sabia ter encontrado o grande amor de sua vida.
Passou a improvisar diversas situações somente para vê-la. Cruzava a sua frente, chegou a esbarrá-la e se desculpar depois. Melissa envolvida em seu mundo não percebia os olhares apaixonado de Paulo, nem tão pouco suas intenções. A belíssima jovem diariamente dirigia-se a escola acompanhada de amigas. Tinha que se desvencilhar de olhares admirados. Paulo a observava de perto e a distancia e nas horas vagas, motivado por seu amor secreto esculpia verdadeiras obras de arte.
Durante muitos anos nutriu em seu coração este amor impossível. Isto lhe dava esperança de vencer na vida, continuou estudando e trabalhando com seu pai. Aproveitava as horas vagas para participar de cursos oferecidos pelo Museu de Arte Moderna para aperfeiçoar sua técnica que até então era visto como uma brincadeira. Paulo transformava a pedra bruta em verdadeiras obras de arte.
Mas quis o destino pregar-lhe uma peça. No último sábado do outono de 1920, foi contratado para levar uma noiva de sua residência até a igreja. Com pagamento a vista a contratante exigiu certo requinte. Na época chegar de táxi tinha o glamour só visto nos filmes de Hollywood.
Determinado em apresentar um excelente trabalho, ornamentou o carro com flores e fitas de cetim, trajou-se elegantemente, dirigiu-se para o endereço combinado. Exigente, Paulo só se preocupava em atender ao cliente da melhor maneira possível. Ao chegar no local indicado, ficou desesperado, somente neste momento observou que sua ansiedade o havia traído. Pois em nenhum momento observou que o endereço já conhecia.
Aproximou-se do casarão, na Avenida Paulista. Um corredor iluminado formou-se em uma passarela até a porta principal. Anunciou-se e surge á sua frente com andar elegante e suave Melissa que vinha em sua direção. Desceu do carro como manda o cerimonial. Abriu a porta deixando-a entrar. Mantinha a esperança que estivesse vivendo um sonho. Discretamente fixou seu olhar naquele rosto angelical ainda mais bonito de véu e grinalda e neste momento permitiu que sua emoção aflorasse. Durante o trajeto disfarçava para que ela não percebesse suas lágrimas, que teimavam em rolar pelo seu rosto.
Ao chegar a porta da igreja os flash’s das câmeras fotográficas iluminavam o automóvel. Paulo teve a oportunidade de ser fotografado ao seu lado, ajudando-a a sair do carro. Conduziu-a até a porta da igreja, entregando-a a seu pai que a aguardava. Caminhou desoladamente para um canto e observou Melissa caminhar pelo corredor da igreja, sorridente e subir ao altar.
Para sua frustração notou que o casal formava um par perfeito. A partir deste momento o sorridente e cativante Paulo passou a ser um homem silencioso, cauteloso e pensativo, trazendo consigo o segredo de seu grande amor.
O tempo serviu para refletir sobre sua vida decidindo aperfeiçoar sua arte. Continuou trabalhando de taxista nas horas vagas. Nenhuma outra mulher conseguiu conquistar seu coração. Nesta época o trânsito começava a ficar intenso em São Paulo. Sempre que era contratado e passava pela Avenida Paulista, emocionava-se ao recordar a tarde de sábado. Foi presenteado ao ver Melissa caminhando alegremente pela avenida, notou que estava grávida.
O destino como sempre imprevisível, testou o seu amor colocando-o frente a frente novamente.
Numa noite fria de inverno, atendeu a um chamado para socorrer uma mulher que iria dar a luz, já não era mais uma surpresa, quando anotou o endereço, sabia que era Melissa. Ela parecia indefesa, suplicando por ajuda, pois seu marido havia viajado a trabalho. Paulo sem hesitar apressou-se em atendê-la, e levou-a à maternidade.
Nesta noite o céus se coloriu de tanta alegria nasceu a graciosa Vivian, nome escolhido pelo pai. Após se recuperar do parto, Melissa sentindo a necessidade de contratar um motorista particular ofereceu a Paulo um excelente salário, além de algumas horas livres para que pudesse continuar seus estudos na escola de arte de São Paulo. A contratação de Paulo teve como principal motivo a gratidão. Paulo não titubeou em aceitar, não podia perder a oportunidade de estar diariamente participando do convívio com Melissa. Dedicadamente passou a servir a família como motorista particular. Com o crescimento de Vivian, aumentou sua responsabilidade pois passou a levá-la diariamente ao colégio, além de festas e passeios. Sempre que Melissa estava por perto ele a olhava e a tratava com carinho. Vivian começou a sentir-se perturbada, e enciumada. Na adolescência descobriu que o amava, mesmo tendo idade para ser seu pai. Apaixonou-se loucamente, Paulo tornou-se seu grande amor. Chorou tantas vezes por ele, ao sentir que amava sua mãe, e não conseguia controlar seu ciúme.
No seu íntimo queria acreditar que se tratava apenas de educação e respeito pela patroa, mas sabia que ocultava um segredo. Muitas vezes antes de se deitar Vivian ia até a janela e o observava limpando o automóvel para o dia seguinte e por diversas vezes o flagrou olhando fixamente sua silhueta marcada através das cortinas em seu quarto. Paulo a admirava, e sorria um sorriso leve como quem se contentava com sua sorte de poder estar por perto de Melissa. Este era um dos motivos que aumentava a admiração de Viviam por Paulo, pois mantinha sua integridade amando-a em silêncio. Jamais ousou expor seus sentimentos, era feliz em vê-la feliz, pois vivia um casamento de amor e harmonia.
Paulo completava 39 anos e não havia se casado. Dedicou-se ao trabalho e as suas artes. Vivian sempre acompanhou os trabalhos artesanais de Paulo. Desde cedo descobriu seu amor por ele e sonhava em tê-lo, mesmo sabendo do seu amor por sua mãe, embora Melissa nunca percebera os verdadeiros sentimentos de Paulo, e sempre sendo fiel ao seu casamento.
Paulo fazia todas as vontades de Viviam, levava-a para todos os lados, acompanhava-a em festas, na escola, em passeios e Vivian não perdia a oportunidade de tentar despertar ciúmes em Paulo, apresentando-o pretendentes, pois havia se tornado numa belíssima mulher. Assediada por rapazes simpáticos e galantes. Mas Paulo não se deixava levar pelos seus arroubos de juventude.
O sonho de Vivian era estar sempre ao lado de Paulo e gostaria de vê-lo reconhecido como escultor. Em uma festa promovida por seus pais em sua residência Viviam conheceu um construtor americano que precisava de obras de arte para ornamentar um edifício que estava sendo construído em Nova York. Entendendo que era uma excelente oportunidade para divulgar as esculturas de Paulo, Vivian o convenceu a apresentar seus trabalhos. Admirado com a qualidade e requinte das peças aprovou imediatamente e encomendou dezenas de peças de altíssima complexidade. Paulo não esperava tal convite, mas não se impressionou com o desafio. Vivian estava ao seu lado apoiando a sua decisão. Comprometeu-se a entregá-las no prazo combinado. Apoiado pelos patrões que contrataram outro motorista para que Paulo pudesse trabalhar as encomendas. Vivian passou a ser sua assistente e cuidava da parte burocrática, como contratos, estoques, materiais, registros, direitos autorais, um trabalho árduo.
Paulo sentia-se realizado. Sua barba por fazer, cabelos mais longos caracterizavam o brilhante escultor. As pedras brutas iam se transformando e uma a uma quando prontas apresentavam sua singularidade. Logo que as encomendas ficaram prontas, Vivian providenciou que fossem apresentadas na embaixada dos Estados Unidos. Entusiasmado com as peças o embaixador exigiu que fosse realizado uma grande exposição para que toda a sociedade paulistana pudesse apreciar tamanha preciosidade. Paulo através do repentino sucesso teve seu reconhecimento internacional. Elogiado pelos principais críticos do mundo que o reconheciam como um dos melhores em sua arte. A partir daí encomendas chegavam de vários países.
Vivian assumiu a coordenação dos trabalhos e era responsável pela divulgação de suas obras. Paulo reconhecia o empenho de Vivian e sua dedicação. Aos poucos se deixou levar pelos seus carinhos de Vivian e conseqüentemente o envolvimento fora inevitável. A diferença de 20 anos não foi empecilho para selar este enlace. Vivian sabia que Paulo não a amava porém sabia que tinha por ela grande apreço e carinho. Paulo a respeitava, fazia de tudo para agradá-la, e Vivian nutria a esperança de que um dia o faria esquecer o amor por sua mãe.
Melissa e o pai de Vivian não aprovaram o romance, argumentando que a diferença de idade nos separaria e nos traria problemas no futuro, fê-lo lembrar que a segurou no colo, a viu crescer. Mas Vivian não permitiria que nada ou ninguém a impedisse de viver seu grande amor. Como era de se esperar seus pais e parentes não compareceram no casamento. Apesar de tudo Paulo estava feliz. Vivian estava maravilhada. Continuou tomando frente de seus compromissos e encomendas.
Tiveram três filhos. Paulo trabalhava e era cada vez mais requisitado. Viajaram pelo mundo, ele esculpindo e Vivian administrando sua vida e seu coração na qual sentia-se extasiada em poder compartilhar todos os momentos com o homem que tanto amava.
Paulo era excelente pai e um ótimo esposo. Suas obras eram reconhecidas no mundo todo. Em 1970 o pai de Vivian faleceu deixando Melissa aos 68 anos sozinha. Mesmo sabendo do amor oculto que Paulo nutria por ela Vivian convidou-a para morar em sua. Acreditava na dignidade de Paulo, e conviveram juntos por alguns anos. A hora de Melissa chegou. Paulo sofria calado, por diversas vezes chorava enquanto esculpia, descrevia em seu diário todo sentimento de amor e carinho que sentia por Melissa, e da certeza que tinha que ela era feliz em seu casamento.
Agradecia a Vivian repetidas vezes sua dedicação, seu amor, sua compreensão. Pouco tempo da morte de Melissa passou e Paulo já muito doente também partiu.
Quis o destino que a deixasse, mas sabia que Vivian faria sua obra ser eterna para aplaudir a sua arte agora vive as lembranças e os momentos que não voltam mais.
Hoje nesta data comemorativa Vivian está feliz, porque amou seus pais, ama sua vida, mas declara nada se compara o amor que sentiu por Paulo.
Em poucas palavras Vivian falou para o público que aguardava a apresentação e entrega das esculturas:
- Tenho certeza que estas esculturas que hoje receberei são marcas de um tempo e que não foram feitas para mim, mas foram feitas pelas mãos de Paulo em homenagem a minha querida mãe, Mas irei guardá-las com o mesmo carinho como se tivessem sido feitas para mim. Paulo foi a luz de minha vida, estou presa pela saudade, mas estou feliz, porque espero encontrá-lo no final do caminho. E então ficaremos juntos, continuarei administrando e ele esculpindo na eternidade.
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