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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O APAGÃO





Chegamos á tarde em Alvorecer, dia 18 de dezembro. Cidade turística conhecida por suas famosas cascatas e tratamentos com banhos de imersão. Cidadezinha pacata, porém altamente movimentada nos finais de semana, recebendo centenas de turistas vindo de toda parte do Brasil.
Conseguimos reservar um hotel no centro, de onde tínhamos uma ótima visão do Cristo Redentor sempre iluminado. Ao anoitecer a praça ficava toda resplandecente, pois todas as árvores estavam ornamentadas com pequenas lâmpadas coloridas trazendo um clima de Natal. As ruas também receberam iluminação especial. Na rua do comércio havia lindas lojas, todas com suas vitrines decoradas expondo seus produtos para os moradores e principalmente para os turistas. Sr. Cláudio o porteiro do hotel nos informava sobre os pontos turísticos e sobre alguns moradores.
- Aqui na esquina tem uma ótima choperia. Na outra é ponto de encontro dos jovens. Naquele prédio mora o Dr. Dalton dentista da cidade, um solteirão, fica a noite olhando de binóculo para a Dona Márcia do outro lado da praça. Ela é evangélica e recatada, dizem até que é virgem. Ali naquele prédio da esquina, mora uma família enorme, dizem que eles frequentam praias de nudismo. As noites aqui são quentes. Os jovens vêm para praça namorar, enquanto os ciclistas campeões do estado exibem-se para as meninas que desfilam com seus shorts apertadinhos, são mais de 30 rapazes.
Após todos esses comentários subimos para nos preparar para o jantar, e aproveitarmos a noite que prometia ser muito interessante. Por volta das 21:00 hr enquanto secava meus cabelos, olhei pela janela do quarto e pude constatar tudo o que Sr.Cláudio havia comentado. Notei um movimento incrível. Os ônibus que traziam os turistas ainda chegavam com dificuldades para manobrar. Chamei minha prima para ver um "gatinho" de shorts apertadinho olhando para mim. De repente todas as luzes se apagaram. Ouvimos muita gritaria e assobios. Não dava para ver nada. O Cristo Redentor sumiu no blecaute.        
 O tempo estava nublado, a lua escondida contribuía para aumentar a penumbra. Não podíamos sair do hotel, pois os elevadores estavam parados e não conhecíamos as escadas de emergência. Ficamos na janela, os olhos começaram a se acostumar com aquela escuridão, então vimos quando os garotos de bicicletas chegaram na praça em alta velocidade, gritando e fazendo algazarras. Atravessaram a rua sem se preocupar com os cruzamentos da cidade.
Um automóvel tentando seguir seu itinerário foi vítima de uma colisão com vários ciclistas que caíram no chão ao mesmo tempo. O trânsito caótico piorou, pois os outros rapazes desceram de suas bicicletas e começaram a agredir os motoristas.
Não era possível perceber o que estava acontecendo, mas com certeza a turma do “deixa disso” não conseguiu impedir a pancadaria, então a confusão foi geral.
Outros garotos aproveitando o descuido dos motoristas que deixaram seus carros para participar da confusão, roubaram toca-fitas, malas e documentos, e quando perceberam a ação dos meliantes, iniciaram gritos de “pegaladrão”, e o tumulto aumentou. A correria era grande. Muitos entraram pela praça e foram até a rua do comércio às escuras.
Os marginais na tentativa de se livrarem de seus perseguidores, quebraram as vitrines das lojas deixando todas as mercadorias expostas. Os turistas vendo essas facilidades começaram a saquear e correr em várias direções com televisores, vídeos cassetes, ferros á vapor, blusas, calças, e tudo o que era possível pegar e levar. Até um casal de idosos que passeavam tranquilamente de mãos dadas foram flagrados com objetos roubados. A confusão era total.
Aumentando com a atitude de uma família com mais de dez pessoas que aproveitando a situação desceram de seu apartamento completamente nus, e desfilavam na praça como se estivessem numa praia de nudismo. Os camelôs aproveitaram a falta de luz e numa atitude oportunista no meio daquela confusão vendiam velas, lamparinas e lanternas.
O dentista foi flagrado pulando a janela do prédio em frente, com os botões da camisa já abertos, afrouxando o cinto, sendo recebido e agarrado pela jovem evangélica, que a distância parecia estar seminua. O carro da polícia não podia circular. O trânsito parou. Centenas de pessoas corriam de um lado para outro. Os jovens que estavam na choperia invadiam e roubavam cervejas e as distribuíam aleatoriamente, quando não, quebravam as garrafas no asfalto. Uma senhora em estado de choque saiu pela janela do primeiro andar na tentativa de subir para o telhado por uma corda improvisada por pessoas que já se encontravam em cima da marquise do prédio, mas devido ao seu peso, a corda arrebentou e ela caiu sobre as pessoas e teve sérios ferimentos. A ambulância também não conseguia transitar.
Foi um verdadeiro alvoroço. Pessoas machucadas, roubadas, lojas saqueadas, turistas sem poder se mover. O caos tomou conta da cidade. O pânico era total. Ás 23:15 hr a energia voltou. Novamente uma gritaria seguida de um grande silêncio. Envergonhados com suas atitudes as pessoas começaram a sair discretamente.
Os semáforos voltaram a funcionar desobstruindo o trânsito, livrando os automóveis em poucos minutos. As ruas ficaram vazias, todos voltaram para suas casas, e os turistas para seus hotéis. O dentista atravessou a praça e entrou em seu apartamento. A família de nudistas olhava da sacada como se nada tivesse acontecido.
E aqui da janela do hotel, vimos a polícia fazendo uma varredura na cidade e improvisando fitas colorias em frente as lojas saqueadas para protegê-las. As ambulâncias levavam os últimos feridos e o corpo de bombeiros após apagar um princípio de incêndio também se retirou. Ás 24:00 hr tudo estava como antes.

Se não tivéssemos visto, não acreditaríamos que um dia esta cidade tão pacata, passou por tanta violência e confusão por causa de um blecaute.

“ ONÇA PINTADA”







No estado do Amazonas existia uma cidadezinha que era um verdadeiro paraíso ecológico. Havia interesse por parte do governo povoar aquele local. Há muitos anos vinha tentando incentivar o turismo no município e criando uma estrutura para receber os turistas, mas sem resultados. Várias pessoas tentaram visitar a cidade, iam com intenção de conhecer ou mesmo ficar, porém quase todos acabavam desistindo sem nem mesmo chegar no local, pois para ter acesso era preciso atravessar grandes lagos, além de enfrentar uma floresta onde habitavam muitos animais selvagens, principalmente as onças pintadas entre outras feras. Muitos morreram pelo caminho. Outros não conseguiram terminar o percurso por insegurança ou medo.
Adriano, um jovem paulista de 30 anos, capacitado, prometia um futuro de sucesso, porém não conseguia firmar-se na capital, nada o apetecia. Não se identificava com algumas pessoas, nem tão pouco com determinados trabalhos, tudo para ele parecia insuficiente. Apesar de formado e com boas perspectivas de trabalho não se sentia realizado. Decidiu então buscar ajuda de um psicólogo para aprender a lidar com o problema que o incomodava.
No consultório, enquanto aguardava para ser atendido, folheava uma revista já antiga, e viu uma notícia anunciada de maneira bem discreta sobre uma pequena cidade do Amazonas. De repente, sentiu um forte desejo de conhecer aquele lugar, procurou saber mais detalhes e descobriu o interesse do governo em povoar a pequena cidade. Empolgado com a ideia, organizou um grupo de pessoas que tinham interesse em conhecer o vilarejo. Foram informados dos perigos e as dificuldades que enfrentariam, no entanto, o espírito aventureiro falou mais alto e programaram a viagem.
 A excursão duraria oito dias. No decorrer da semana as desistências foram acontecendo. Ao chegarem a um local próximo, restavam somente quatro homens, entre eles, Adriano. Estavam bem equipados e armados para própria defesa. Entraram mata adentro, rumo ao destino curioso e incerto. Andaram mais três dias. No caminho depararam com uma grande pedra. Ouviram ruídos e notaram que ali abrigavam-se algumas onças pintadas. Apavorados com as feras começaram a atirar. Adriano foi o único que não atirou, nem mesmo para se defender.
Um dos homens foi atacado por uma delas e acabou falecendo. Apesar de preocupados, continuaram o trajeto. Mais adiante encontraram outra onça que num novo ataque, deixou o outro colega gravemente ferido, fazendo-os abdicar do desafio. E assim sobrou apenas Adriano que não desistiu, apesar de inseguro, algo o atraía para o local. 
 Percebeu que havia outras onças nas redondezas. Acreditava que era questão de tempo; mais cedo ou mais tarde acabaria sendo atacado e morrendo. Mas ainda assim seguiu. Procurou abrigo para proteger-se. Encontrou uma caverna muito pequena, mal cabia uma pessoa, entrou de costas, quase não podia se mexer, deslocou algumas pedras para frente da caverna a fim de se esconder de uma onça que estava rondando o lugar. Ela se aproximava da caverna. Chegou perto e com suas enormes patas empurrou as pedras que ele com muito custo havia colocado na entrada,  enfiou o focinho no buraco de frente com ele. Adriano ficou estático. A onça fazia um movimento com a cabeça como quem dizia para ele sair da caverna, e recuava alguns metros como que dando passagem. Ele, porém, não entendia e não acreditava no que estava acontecendo. A fera novamente se aproximava e fazia sinal com a cabeça para que ele saísse. Adriano viu que as outras onças formaram uma barreira como se fossem protegê-lo. Timidamente foi saindo da caverna. A onça se afastou e foi caminhando à sua frente. Adriano entendeu a mensagem e a seguiu, acompanhado pelas onças que a distância o protegia.
Chegou num lugar maravilhoso, um verdadeiro paraíso. Lá viu espécies de animais que considerava já extintos e outros que nunca vira antes. A natureza era exuberante e de uma riqueza infinita. Avistou algumas cabanas. A onça praticamente o levou até uma tapera. Ao se aproximar, um senhor de idade bem avançada, o recebeu como se já estivesse o esperando. Adriano não acreditava que havia chegado vivo. Contou para o senhor sobre os sinais que a onça fizera, e comentou sobre os perigos que passou. Dizia que algo o atraía para lá, e não conseguia desistir, como tantos fizeram.
  O senhor afirmou que o mesmo aconteceu com ele e com todas as pessoas que ali estavam. Mostrou-lhe outras cabanas de pessoas que moravam ali apenas para preservar aquela reserva. Adriano entendeu que ali estava a mão de Deus, que confiou a todos eles a missão de preservar aquele lugar e aqueles animais.



O MILAGRE QUE VEIO DO SUL




Nos campos do planalto Sul a floresta com araucárias cobria um terço de três estados. Abrangia uma área de 20.000 metros quadrados. Sua destruição começou com a chegada dos europeus desde a colonização até a metade do século. Em 1913 na região de Santa Catarina iniciava-se a Guerra do Contestado, onde morreram milhares de pessoas.
Nesta época chegavam centenas de imigrantes. Minha família entre eles, pôde acompanhar o princípio dos combates. Ainda não havíamos nos adaptado aos costumes da terra, tínhamos esperança de viver num lugar melhor que o nosso país.
Mesmo de muito longe a população preocupada, estocava alimentos, na esperança que tudo não passasse de um conflito passageiro, porém a situação se agravou e logo podíamos ouvir os tiros na praça e os bombardeios por cima das casas, nos obrigando a refugiarmos para a igreja do Padre Luiz, que procurava salvaguardar a integridade física dos ocupantes com mensagens enormes escritas em lençóis e bandeiras, colocados sobre o telhado, na esperança que não atacassem aquele local sagrado.
Durante alguns dias deu certo, mas os ataques foram inevitáveis. O padre Luiz liderou e organizou a saída dos refugiados, e numa fila indiana as cem famílias, entre elas a minha, retiraram-se do local embaixo de um verdadeiro bombardeio, onde pelo caminho ficavam alguns moradores e imigrantes feridos, porém a maioria conseguiu chegar até a saída do município. O padre Luiz permaneceu em sua igreja.
Subindo as montanhas era possível ver a destruição da cidade. Todos ficavam apreensíveis, quando avistavam mesmo á distância o padre que corria de um lado para outro, pedindo e gesticulando para que os soldados não atirassem na igreja. No entanto, um dos pelotões sediados na praça apontou os canhões para atirar. O padre correu para dentro da igreja acreditando que não o fariam. O tenente percebendo qual era a intenção do padre, que não saia do templo, deixou que disparassem as bombas sobre seu teto.
A explosão a destruiu totalmente. Os retirantes gritavam e choravam, pedindo clemência a Deus, para que estas atrocidades terminassem. Mas o inimigo era poderoso, e por todas as partes chegavam soldados destruindo tudo que era possível.
Os imigrantes acompanhavam os camponeses e juntos embrenharam-se nas matas, porém não se entendiam, pois falavam línguas diferentes. Decidiram então se unirem formando um só grupo e prosseguir, pois os camponeses acreditando que a guerra seria passageira acamparam nas montanhas na esperança de retornarem ás suas casas. Os retirantes caminharam durante dias. Sentiam muita fome. No interior da floresta, o ar gelado da manhã parecia mais denso, pois os raios solares não conseguiam refletir entre as árvores imensas de troncos cilíndricos e robustos, que atingiam mais de cinqüenta metros de altura.
Os homens se encarregaram de caçar pequenos animais para alimentação, mas o inverno era rigoroso, tornando a caça impraticável, deixando a alimentação escassa. Era possível ver á distância, nas montanhas os soldados enfileirados caminhando para a cidade. Os retirantes rezavam para que a guerra acabasse. Durante um mês andaram entre as cordilheiras, até chegarem num vale cercado de árvores e muitas montanhas. Ali se estabeleceram, pois estavam seguros que naquele local ninguém poderia vê-los, nem pelo céu, nem pela terra.
A falta de alimento piorava. Os homens não conseguiam caçar animais suficientes para alimentar mais de cem pessoas. As orações eram intermináveis. Entretanto havia uma verdadeira avalanche de frutos que caiam das árvores, mas não tínhamos nenhum conhecimento sobre ele, pois a árvore era nativa do Brasil, e nunca tínhamos vimos nada parecido.
Algumas lendas falavam de frutos venenosos, por desconhecê-lo e por receio, os usavam para fazer fogueiras nos acampamentos. Curiosamente abriram o fruto que trazia no seu interior várias sementes, que segundo o conhecimento da época era para ser plantado, pois as árvores serviam para lenha e sua quantidade de sementes manteria a floresta sempre renovada. Os troncos serviam para alicerce e paredes das casas, e lenha para fogueiras que os mantinham aquecidos.
As mulheres na impossibilidade de obterem madeiras para manter a fogueira acesa, colhiam centenas de sementes espalhadas pelo chão e jogavam para reativá-la, as chamas atingiam proporções que iluminavam todo o vale.
A geada caía em grande quantidade. Ao amanhecer a fogueira já havia se apagado, restando somente brasas. Observaram que muitas sementes ficavam queimadas, mas outras devido ao calor recebido por toda a madrugada, amanheciam abertas com suas polpas totalmente á mostra.
Uma mulher resolveu pegar uma das sementes e degustá-la, pois seu aroma era agradável. Qual não foi a sua surpresa, estava saboreando uma semente deliciosa. Logo outras pessoas estavam experimentando também. Uma vez aprovado por todos, as mulheres começaram a desenvolver e criar receitas com o fruto. Perceberam que era muito nutritiva, pois se sentiam bem alimentados e mais resistentes.
Empolgadas com a novidade, as cozinheiras começaram a preparar pratos diversificados com o fruto, cozinhavam-no com carne, faziam farinhas, bolos, pão, ralavam e acrescentavam a outros cardápios, faziam até macarrão. Em pouco tempo àquela semente passou a ser o ingrediente principal para a alimentação dos refugiados. Agradeciam a Deus incansavelmente pela graça recebida, por terem descoberto aquele sagrado fruto que lhes salvou a vida.
Após cinco anos naquele local, notaram que a guerra havia acabado. Não avistavam mais os soldados nem ouviam os bombardeios. Estavam todos fortes e saudáveis.
Os jovens decidiram voltar ao município. Os mais velhos, ainda assustados, resolveram ficar com suas crianças. Os aventureiros saíram em peregrinações. Ao chegar à cidade encontraram-na completamente destruída. Dali dispersaram-se para outros municípios e estados, alguns partiram para o Paraguai, Uruguai e Argentina.
No decorrer do tempo os que partiram escreviam com certa freqüência ao vilarejo, localizado no vale onde ficaram seus parentes e amigos. Mas todas as cartas eram devolvidas ao remetente com a mensagem de endereço desconhecido. A diretoria do correio, desconfiada e preocupada com inúmeras cartas enviadas nos últimos anos para um local onde ninguém conseguia localizar, mandou investigar, pois teve conhecimento da história através de um dos sobreviventes que habitava o vale.
Organizaram então uma caravana, que na ânsia de encontrar o vilarejo percorriam as montanhas. A equipe era levada pelo aroma que exalava atrás da floresta. Um cheiro maravilhoso, de bolo, pães, salgados e doces. Acreditando que encontrariam o local seguiam alegres, mas ao atravessar a montanha, ficavam decepcionados, pois nada encontravam. Na noite seguinte novamente sentiam aquele aroma que vinha do outro lado da montanha, ainda mais apetitoso. Imaginavam pratos saborosos, cozidos e assados. Desarmavam as barracas e de novo esperançosos iam ao encontro do agradável cheiro, mas como na noite anterior, e dezenas de outras delas, não encontravam nada.
Depois de meses de procura sem êxito, decepcionados, decidiram voltar e desistir da busca. Encontravam-se inconformados, pois parecia que estavam a cada dia mais próximos do lugar onde viviam aquelas pessoas, entretanto, parecia invisível aos seus olhos.
Os responsáveis responderam aos sobreviventes que procuravam por seus parentes, que após uma minuciosa busca, não haviam encontrado nenhuma pista do vilarejo.
No entanto, durante as noites frias de inverno era possível sentir um aroma que se espalhava por todas as montanhas da região. Aquele povoado passou a viver em plena harmonia, pois descobriram um lugar onde Deus levou a paz e a oportunidade de conhecer um fruto milagroso, que salvou muitas vidas e ainda hoje é pouco explorado por falta de conhecimento, que é o Pinhão, o bendito fruto das araucárias.




CANDANGO


CANDANGO

“Mais uma vez fomos expulsos do forró. Corremos para não sermos agredidos. Embrenhamos na mata e nos escondemos. Ás margens do Rio Pajeú paramos para descansar. Tudo era motivo de risos e alegria. Éramos jovens e só queríamos nos divertir, Firmino de Jesus e eu, José, filho do velho José Manoel da Silva um dos mais  antigos moradores de Afogado da Ingazeira.“Figuras” conhecidas de  Carnaíba á Solidão  e de Tabira á Iguaraci, especialmente nas fazendas da região do Pajeú.
Naquelas bandas todos conheciam a nossa fama de dançarinos extrovertidos, “boa pinta”, aliados a uma maneira alegre de viver. As mulheres não podiam nos ver chegar e logo se atiravam em nossos braços, pois queriam dançar, e esta era a nossa maior  virtude, animávamos as festas a noite inteira. Por este motivo nos tornamos alvos dos enciumados  maridos e namorados que desconhecedores da arte de conduzir uma dama num rastapé ficavam  enfurecidos e desconfiados. Durante a noite não dispensávamos nenhuma moça que se predispusesse a dançar. Nossos pais, experientes  e conscientes dos riscos que corríamos, inquietos  com a situação, trouxeram da capital Dr. Januário que estava recrutando homens para construção de uma nova cidade no Planalto Central onde seria instalada a nova capital do Brasil. Dizia que o presidente pagaria muito bem para quem fosse trabalhar nesta empreitada. Firmino que só pensava em se dar bem na vida vislumbrou uma ótima oportunidade de conhecer novos lugares, mulheres, diversão, trabalho  e muito dinheiro. Encantado com a proposta Firmino de Jesus convenceu-me a enfrentar o novo desafio. Não aceitávamos a ideia de separação, pois com o passar dos anos nos tornamos “ irmãos’.
Dr. Januário, influente na política, especializou-se em contratar operários para enviar  ao planalto central como mão de obra barata para construção da nova capital. Ele mesmo se encarregou de providenciar os documentos, além do transporte e alojamento. Tínhamos que levar estritamente o necessário. Guardamos todos nossos pertences numa trouxa onde o cadeado era apenas um nó e partimos num pau de arara. Viajamos por muitos dias com dezenas de desconhecidos onde todos estavam em busca do mesmo sonho. Durante a longa viagem cantávamos músicas que lembravam nossa Terra Natal.  Entoando repetidas vezes o sucesso de Luiz Gonzaga, onde a letra retratava a nossa partida...
“... Quando vim do sertão seu moço do meu bodocó. A maloca era o saco e o cadeado era o nó. Só trazia coragem e a cara, viajando num pau-de-arara, Eu penei mas aqui cheguei... Eu penei mais aqui cheguei...”
Enquanto cantávamos podíamos presenciar homens disfarçando suas lágrimas, que caíam sobre a esperança de um futuro promissor, além da saudade dos que ficavam para trás. Durante a viagem ouvimos falar sobre o “eldorado”, a terra prometida,  onde nasceria  a nova capital. Teríamos pão e leite, casa e comida á vontade, segurança, para quem quisesse ficar teria terra para construir sua casa e não faltaria emprego nem mulher.
Atravessamos da caatinga ao cerrado e chegamos numa linda manhã ensolarada. Como sertanejos nunca havíamos saído da nossa pequena cidade. Ficamos desnorteados, pois nem bem havíamos chegado ao alojamento nos levaram para o canteiro de obras.  Nosso espanto foi tamanho, na verdade, não conseguíamos entender o que estava acontecendo. O  lugar  parecia um formigueiro, homens correndo de um lado para outro carregando tijolos, areia, cimento, subiam em andaimes trançados entre ferros e tábuas elevando os trabalhadores ás alturas, até então nunca visto por nós.
 Em poucos dias estávamos exaustos, mortos de cansaço, nunca tínhamos trabalhado tanto em nossas vidas. O cronograma parecia estar atrasado e os encarregados exigiam o máximo de cada trabalhador.
Todos os dias durante o serviço ouvíamos o refrão: - “Vamos lá minha gente, O Homem tem pressa” tínhamos que nos superar, pois tudo teria que estar pronto na data programada para a inauguração. Mesmo com o excesso de serviço, Firmino de Jesus, como sempre, conseguia fugir do trabalho. Descobriu os barracões improvisados das festas e orgias, passava os fins das tardes na folia e adentrava a noite nos forrós da região. Todas as sextas e sábados saíamos juntos para dançar, com isso logo ficamos conhecidos, desta vez fomos mais cautelosos, pois o ambiente parecia hostil. Não sabíamos ler e nem escrever. Eu acatava os serviços que o empreiteiro me designava, mas Firmino com sua lábia e oratória descoordenada conseguia argumentos para influenciar o encarregado que atribuía-lhe serviços mais leves. Apesar da empatia entre o chefe da equipe e Firmino, por várias vezes viu-se obrigado a chamar-lhe a atenção, pois estava recebendo visitas de muitas mulheres durante o expediente, além de não seguir as regras da segurança que já eram precárias. Num afã de demonstrar sua destreza e exibir-se para elas, Firmino pulava de um andaime para outro, simulando estar dançando um forró bem apertadinho sobre as tábuas, deixando as moças assanhadas.
Numa tarde, logo após o almoço observei um alvoroço que tomou conta de todo o canteiro de obras, um corre-corre, os trabalhadores foram convocados para se concentrar em frente das torres gêmeas do Congresso que estava em construção. O presidente Juscelino estava ali pessoalmente. Pudemos então conhecer o famoso ”homem”, que esbanjava simpatia, recebia e apertava as mãos dos trabalhadores simples e humildes. Como sempre, Firmino não se conteve, subiu num palanque improvisado onde estava o presidente, abraçou-o e o beijou. De longe eu observava e não acreditava no que estava acontecendo, lá estava ele outra vez, Firmino de Jesus, com sua costumeira simplicidade, desinibido, abraçado ao presidente, que foi interrompido antes mesmo  que começasse a falar. Firmino tomou o microfone e dedicou-lhe um conjunto de palavras sem concordância, mas que traziam em seu bojo, elogios, principalmente á coragem de um homem que estava gerando emprego e progresso para aquela região e sobretudo enchendo de esperança o coração de milhares de brasileiros. O presidente agradecendo a manifestação daquele trabalhador tomou conta da situação mantendo Firmino de Jesus ao seu alcance e abraçado a ele, discursou esbanjando sua fluência verbal aliado ao seu poderio de persuasão, envolveu os trabalhadores que se comprometeram com a missão de terminar aquele conjunto de obras até a data determinada, e num só coro aqueles humildes homens gritaram e jogaram seus capacetes para o ar como demonstração de comprometimento e aliança    com o presidente, deixando claro que se empenhariam ainda mais em cumprir rigorosamente o cronograma estabelecido para o término das obras. No dia seguinte estava estampado nos jornais que circulavam no canteiro de obras, a figura do presidente abraçado á Firmino. Num momento histórico o pobre rapaz vindo do sertão de Pernambuco,  Afogados da Ingazeira, tornara-se uma celebridade. Muitos repórteres de outros estados procuravam-no por toda parte com a intenção entrevistá-lo. Confesso que senti uma pontinha de ciúmes. Fiquei encarregado de administrar sua fama repentina, com agendamentos, além de controlar outras mulheres que passaram a procurá-lo.  Firmino era convidado para todas as festas e passou a ser recebido como se fosse uma celebridade. Na esteira do seu sucesso eu aproveitava o momento e me divertia também. Antes que a notícia caísse em esquecimento numa manhã, ouvimos gritos no alto de uma das torres do Congresso que estava sendo revestido, um barulho chamou-me a atenção, era Firmino querendo outra vez ser o centro das atenções. Fiquei paralisado quando vi que ele tropeçou  num dos objetos que desordenadamente ficavam espalhados sobre o andaime, contribuindo para um cenário de alto risco, comprometendo o deslocamento dos trabalhadores de um lado para outro. Firmino de Jesus caiu num salto livre feito uma estrela cadente, girou no ar com as pernas e braços abertos, seu corpo foi jogado de um lado para outro batendo nos ferros trançados que seguravam o andaime. Num momento de desespero corri na tentativa de ajudá-lo e quando cheguei Firmino agonizava.  Pedi licença a todos que o rodeava, segurei sua mão, ele com lágrimas nos olhos murmurava palavras sem muita definição, mas pude ouvir claramente  quando disse:
- Zé, avise meu pai que volto mais não! A queda de Firmino chocou-me profundamente.
Os jornais do dia seguinte em destaque trouxeram-no na capa outra vez, mas desta vez com as manchetes: “O candango partiu. Aquele que havia abraçado o presidente morreu”.
Após o singelo funeral fiquei encarregado de voltar á Afogados da Ingazeira e levar a notícia a seus pais, com a passagem paga pela construtora e com a triste missão de dar-lhes a notícia, cheguei ao destino. Os jornais já haviam noticiado o falecimento de Firmino, inclusive contando toda a sua trajetória. “O candango preferido do presidente.”  Neste noticiário mencionavam também meu nome em diversas partes da reportagem. A dor havia tomado conta de todos na cidade. O fato de ter ido trabalhar na construção nova capital, conhecido de perto o presidente e ser amigo-irmão de Firmino de Jesus deu-me notoriedade, obrigando-me a constantemente dar entrevistas para os jornais inclusive os da capital, tornando-me uma personalidade na cidade de Afogados da Ingazeira e toda a região do Pajeú. Fui homenageado. O prefeito orgulhoso de meu feito e de levar o nome de nossa cidade no coração do país, convidou-me para trabalhar na prefeitura. A minha experiência no planalto central e a convivência com admirável  Firmino de Jesus, meu irmão de coração,  despertou em mim um novo homem. Passei a ser mais exigente. Meu novo posto deu-me a condição de estudar. A leitura trouxe-me informações fascinantes sobre a vida, a economia e a sociedade, mudando meus conceitos, dando-me a oportunidade de descobrir um mundo novo. Esta nova estrutura de vida me proporcionou a candidatura na câmara municipal como vereador. Ganhei com uma grande margem de votos. O meu excelente desempenho cominou com minha indicação à prefeitura. O resultado das eleições não trouxe surpresas, venci mais uma vez a eleição para prefeito. Como não havia reeleição candidatei-me a deputado estadual. O povo de minha cidade não me desamparou, cheguei à câmara cheio de objetivos e muita dedicação. Por isso representei-os por duas legislações, uma nova conjuntura partidária e interesse do povo sofrido do agreste, defendendo causas nobres, motivos pelos quais fui indicado a deputado federal com o apoio de coligações. Defendendo os mesmos princípios fui eleito Deputado Federal com o maior número de votos do nordeste, a possibilidade de estar volta para onde tudo começou, deixava-me ansioso. Uma alegria incontida tomou conta de meu ser. Eu estava novamente no planalto central, na capital do país, Brasília o coração do Brasil, e a seus pés humildemente reverenciei sua beleza, funcionalidade e nomeadamente responsável pelo destino de todos brasileiros. O canteiro de obras antes tão assustador agora era motivo de orgulho e esperança. Voltei ao passado ao caminhar por suas avenidas largas e arborizadas, entre os gigantescos gramados, como pano de fundo uma arquitetura arrojada que mostra ao mundo a qualidade de nossos arquitetos e urbanistas coadjuvados por homens simples, que abandonaram suas famílias para erguer um suntuoso marco de liberdade. Quando me aproximei das torres gêmeas do Congresso destacando no conjunto da obra as suas cúpulas, côncavo e convexo, pude constatar que não se tratava de um sonho. Deus me deu a oportunidade de estar ali em frente à casa do povo o Congresso Nacional. As lembranças foram inevitáveis tornaram-se nítidas como um videoteipe. A emoção tomou conta do meu coração e as lágrimas rolaram pelo meu rosto. Em segundos toda minha vida passou em minha mente, viajando no tempo e no espaço,  o passado aflorou com tamanha nitidez que pude ver a minha maior inspiração de vida, meu amigo e meu irmão  Firmino de Jesus  abraçado com aquele que o tempo tratou de imortalizá-lo como o maior presidente que o Brasil já teve. Em meu discurso de posse não esqueci de agradecer á todos que me ajudaram a chegar a tão honroso cargo na política brasileira, mas dediquei a maior parte para homenagear aos migrantes responsáveis pela conclusão do sonho que se tornou realidade. Em nome de todos dei como exemplo Firmino de Jesus, um jovem cheio de vida e sonho, que pensou em participar do crescimento do país sem abrir mão de sua liberdade e que sem cultura não teve tempo para se integrar nesta nova realidade, dando sua própria vida como tantos outros anônimos o fizeram. Tenho certeza que o meu sucesso e desempenho neste mandato terão como lema manter viva a ideia dos candangos que sem limites morreram sem poder reverenciar esta realidade que é a nossa capital do país, Brasília.


O DIAMANTE



O  DIAMANTE


Pesquisadores e cientistas de vários países foram convocados para discutirem sobre o valor do Diamante. Preocupados com a queda vertiginosa, descobriram que eles estavam perdendo seu valor. Este fato estava abalando o sistema financeiro dos países detentores da exploração desse valioso minério, assim como aqueles que não o tinham, mas os adquiriam e eram seus depositários. O que fariam com tantos diamantes se não tivessem mais valor ? Milhões de dólares foram investidos nesta preciosidade, que poucos podiam sequer admirá-los. Tanta riqueza quase intocável, era necessário  que assim continuasse.
Depois de vários dias reunidos chegaram a conclusão que enviariam pesquisadores para uma região guardada a sete chaves, onde poucos países sabiam a sua localização.
Pesquisariam o motivo pelo quais os diamantes estavam perdendo seu poder e valor. A equipe foi surpreendida. Chegaram ao centro de uma montanha crivada de pedras preciosas e numa sala, extremamente protegida,  estava centralizado um enorme  diamante, lindo, que brilhava com tanta intensidade, que ofuscava  olhos  dos  seis pesquisadores,  que encantados observavam e admiravam aquela  preciosa pedra.
Quando de repente, uma luz abateu-se sobre o cristal brilhante  formando reflexos e seis fachos de luz reluziram sobre os pesquisadores. Num zoom instantâneo os seis foram levados para dentro do diamante, deixando-os cada num gomo da pedra, e sob aquele prisma conseguiam ver uns aos outros, porém com visão multiplicada, indo e vindo de diversos ângulos. Os pesquisadores ficaram assustados, embora admirados, com o que estava acontecendo. 
Do centro do diamante surgiu um homem com um aspecto milenar. Com turbante e roupas compridas adornadas em fios de ouro e pedras preciosas. Chamava a atenção dos cientistas, dizendo que os levariam para uma viagem pelo mundo  através dos séculos, onde saberiam de toda a história do diamante. Descobriria qual a sua real utilidade e como deveria ser utilizada pelos povos. Durante a viagem mostrou-lhes os países que possuíam diamantes, o pouco que eles exploravam e o interesse em continuar os utilizando para suas conveniências, que era preservar o seu valor econômico.
Ninguém tinha interesse em estudá-lo e explorá-lo para fins científicos, tecnológicos, medicinais e desenvolvimento da cura de doenças, simplesmente priorizavam o status e o glamour da nobreza, contudo pobres de espírito deixavam de investir em pesquisas para descobertas de novas utilidades do precioso mineral, deixando a humanidade aleijada das benfeitorias que o diamante poderia lhes proporcionar.
            Milhares de  minas estavam fechadas há anos aguardando o momento oportuno para a prospecção, enquanto isso,  esta preciosidade continuaria  em poder de poucos.
Após viajarem por alguns países e ouvirem o que aquele homem falava e mostrava, os cientistas  puderam perceber o motivo pelo qual o diamante estava perdendo seu valor, pois a natureza deu de graça um bem precioso para que o homem pudesse, através do estudo e da inteligência, transformá-lo num bem para toda a humanidade, e não se tornar numa jóia rara,  com intuito de demonstrar o poder e luxúria. E já que seu objetivo não estava sendo atingido, ela tornar-se-ia numa pedra frágil sem valor, onde seu brilho e seu prisma não mais poderiam ser apreciados por ninguém.
Entendendo isso, prometeram levar  e discutir o assunto as suas autoridades e voltar ali com novo intuito de estudo e de pesquisa, para levar ao mundo mais informações sobre os benefícios para a humanidade. Regressaram a seus países levando  o  conhecimento que adquiriram daquele “mago”. Foram recebidos com ceticismo  e cada governante, preocupado somente com a riqueza e o valor da pedra, ordenaram  que aquele “bruxo” fosse preso, pois com certeza estava a trabalho de algum país. Os pesquisadores tentaram  novamente expor a finalidade dos diamantes e a nobreza da natureza em nos dar de graça este minério, todavia não consideraram palavra alguma. Alguns países estavam desenvolvendo armas a laser com tecnologia de última geração, com poder bélico capaz de dominar o mundo, e com certeza, estavam por trás deste disparate. 
Diante desta informação se rebelaram contra aquele homem julgando-o e condenando-o a prisão.  Retornaram a gruta nas montanhas e num plano ardiloso conseguiram capturar o ilusionista homem do bem, que acreditando em suas palavras materializou-se a sua frente,  sem esboçar  alguma reação,  deixando-se prender.
Foi recebido por líderes de vários países que tentaram persuadi-lo a liberar o valor e a composição da pedra preciosa, mas como guardião do diamante, foi irredutível. Somente o faria se democratizassem a pedra e liberassem-nas para pesquisas de todos os fins.  Não conseguiu  convencê-los e após um exaustivo processo onde  todos os países tiveram a oportunidade de conhecer  em detalhes a crise do diamante,   julgaram-no  e o  condenaram  a morte. 
Chegou o fatídico dia de sua execução, em rede aberta de televisão, o mundo todo assistia a bizarra execução na  cadeira elétrica. Como um sinal de benevolência, foi dado a ele a oportunidade de um último desejo.
O místico homem com olhar plácido expôs o desejo de ter suas mãos livres, já que encontravam-se algemadas há dias. Seu pedido a principio, fora negado, contudo diante da reação dos povos, decidiram tirar-lhe as algemas por alguns segundos e amarrá-las na cadeira elétrica. Os instantes que suas mãos ficaram livres foram suficientes para emanar  energias pelas mãos, onde uma luz o envolveu e um enorme diamante emergiu do firmamento. No seu centro o místico homem se apresentava para a imprensa, os cientistas, pesquisadores, e pessoas do mundo, todos puderam ouvir sua mensagem. Desvendou os segredos e os interesses sobre pedra preciosa. Explicou sua real finalidade e falou sobre seu uso pejorativo, portanto percebeu que nada mudaria.

Entristecido e sem perspectivas partiu num foco de luz, deixando que a avareza, a  ambição e a falta de humanidade permanecessem, embora sabia ter plantado uma semente que com certeza um dia germinaria e as novas gerações cobrariam de seus governantes o   uso   sustentável  e equilibrado dos bens que natureza  nos deixou.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

DISCO VOADOR




Toda manhã antes do alvorecer levantava-me com alguma dificuldade. Arrastava o meu ursinho de pelúcia pelo chão e seguia em direção da janela da sala para observar Lino na varanda de sua casa, sentado em sua cadeira de balanço. Eu tinha seis e ele cinco anos. Lino era diferente, vivia excepcionalmente em seu próprio mundo. Sua mãe o abandonou assim que percebeu seu problema, seu pai desiludido da vida desapareceu, e dona Lídia, sua avó, assumiu a dolorosa missão de cuidar dele.
A assistência médica governamental não amparava esta especialidade, obrigando a persistente mulher a administrar a criação do menino com os minguados recursos de sua aposentadoria. O diagnóstico médico traçava um futuro sombrio para Lino. Como não havia escolas públicas especiais, ele passava os dias em casa, isolado em seu mundo.                      
Diariamente antes do amanhecer dona Lídia levava-o para o alpendre da casa. Sentava-o numa cadeira de balanço onde permanecia horas e horas com olhos fixos no horizonte. Lino firmava os olhos no céu e admirava o despertar do dia. Esta harmonia era interrompida com um murmúrio contínuo e constante que chegava a ser irritante.
-“hummmmmmmmmmmm...........hummmmmmmmmmmmmmm.....”.
Meu pai dizia que esta era uma forma que ele encontrava de se comunicar com o mundo exterior. Lino murmurava num sincronizado vai e vem levando seu corpo na cadeira de balanço para frente e para traz. Parecia estar desligado ao que acontecia a seu redor. Esta rotina se estendia noite á dentro. Lino olhava fixamente para o céu  observando as estrelas e os planetas que brilhavam no firmamento. Às vezes era possível observar em seus lábios um sorriso, como se pudesse estar olhando alguma coisa que eu não  tinha conhecimento suficiente para entender.
Lino não frequentava escola, no entanto, a turma do colégio o conhecia e se reunia em frente ao portão de sua casa para vê-lo. Era um espetáculo deprimente, entre uma brincadeira e outra debochávamos  do pequeno Lino, que sem entender as brincadeiras ficava agitado, balançava sua cadeira  com tanta violência parecendo que ia tombá-la. O seu murmúrio passava a ter um som diferente mais  agudo, assustador  e com muita  intensidade...
“Hummmmmmmmmmmm.........hummmmmmmmmmmmmmmm...hummmmm hummmmmmmmmmmm.

Meus colegas sem compreender o drama de Lino riam achando engraçado aquela reação. Apesar de não concordar com eles, eu não era capaz de impedir tal comportamento, e algumas vezes para não ficar mal com a turma, mesmo que intimamente  contrariado  liderava algumas brincadeiras, jogando bolinhas de papel, fazendo caretas e correndo em sua direção como se fossemos agredi-lo, mas tudo não passava de arroubos  da puberdade, e quando o silêncio tomava conta do meu quarto eu sempre me arrependia.
Alguns anos se passaram. Com a adolescência eu amadureci. Apesar de já pensar em outras coisas, queria curtir a vida. Na ânsia de conhecer novos horizontes, libertei-me das influências de meus colegas.  Lino estava com treze anos e seu ritual continuava o mesmo.
 Numa tarde quando retornava da escola tive o ímpeto de me aproximar, queria conhecer de perto o mundo que ele vivia.
Meu coração pulsava descompassadamente. Cheguei a frente de seu portão, timidamente ergui meus olhos e o vi sentado em sua cadeira de balanço murmurando e balançando em seu ritmo sincronizado.
- “ Hummmmmmmmmmmm, hummmmmmmmmm....................,”
Tive a certeza que eu não prolongaria mais meu desejo de comunicar-me. Entrei e deixei minha mochila num canto do alpendre. Tive receio de assustá-lo. Lino não notou minha presença e continuava em seu mundo particular. Estava sozinho, sua avó andava ocupada com seus afazeres domésticos. Sentei-me a seu lado na cadeira de balanço de dona Lídia e comecei a refletir: “Há quanto tempo Lino estaria ali”? Quanto tempo teria passado? Como seria viver isolado? Como poderia viver deixando de aproveitar tudo que a vida pode oferecer? Meu Deus ele nunca correu pelo quintal, nunca jogou bola, brincou de pega-pega, esconde-esconde, não  viajou , nunca namorou não sabe o que é o amor.

Observando-o e absorvido em meus pensamentos impulsionei a cadeira e num bailado e num vai e vem e iniciei o mesmo murmúrio...
- “ Hummmmmmmmmmm, hummmmmmmmmmmmm”.
Com meus olhos fechados, como se estivesse entrando num estado de hipnose, senti uma leve brisa que acariciou meu rosto. Um arrepio tomou conta de meu corpo, uma sublime leveza  invadiu meu ser acompanhado de um breve silêncio.
Envolvido por um estado embriagador tentei evitar, mas uma força estranha obrigou-me a  abrir os olhos. Impressionado emudeci. O que jamais imaginei estava acontecendo. Lino de pé ao meu lado, sereno, estendia sua mão  cumprimentando-me como se fossemos velhos amigos,  com voz firme, porém suave, disse-me:
- Não tenha medo. Sou seu amigo. Agora  estamos juntos.
Foi impossível controlar minha emoção. Dos meus olhos uma lágrima caiu. Lino havia deixado seu estado de inércia e conduzia-me para o seu mundo esbanjando  conhecimentos. Relembramos nossa infância, das vezes que eu ficava o observando pelas frestas da janela de minha sala. Lino comentou que sentia-se bem todas as vezes que reuníamos em frente sua casa, e ficávamos brincando com bolinhas de papel, fazendo caretas, dando gargalhadas. Agradeceu nossa solidariedade.
- Que pena que vieram tão poucas vezes. Sempre esperava que viessem. Mas agora você está aqui, meu amigo.
Suas palavras eram intensas, carregadas de emoção. Poder ouvi-lo era tudo que eu mais queria. Lino não queria perder tempo e dizia que quando voltasse teria condições de ajudar muita gente.
Eu não conseguia entender do que estava falando.  Ele não dava tempo para que eu o questionasse, mesmo assim numa atitude deselegante manifestei-me:
- Do que você está falando? Voltar de onde? Você já está aqui e agora pode se comunicar com o mundo e viver sua vida como nunca. Lino respirou  fundo, desculpou-se por sua falta de sensibilidade por não deixar-me falar e concluiu:
-  Eu vou partir. Vou com eles e um dia retornarei com informações que compartilharei com a humanidade.
- Lino,porerava que viessemiamos o, Linourtir a vida, conhecer novos horizontes, c não estou entendendo! Você vai com quem? E para onde?
- Meu amigo desde pequeno eu tenho a mesma visão e o poder de comunicar-me com seres de outros planetas e numa de suas visitas avisaram que quando eu completasse quatorze anos viriam me buscar. Neste dia uma luz dourada rasgará o céu deixando um rastro pelas estrelas,  como o brilho do sol refletirá todo  seu esplendor.
Desta luz surgirá uma nave dourada com janelas escuras e luzes brilhantes que piscarão  sem parar. Esta mesma nave pousará ao amanhecer e eu serei o seu principal passageiro. Terei a missão de viajar pelas estrelas com objetivo de aprender, adquirir conhecimentos, cultura,  e retornar ao nosso planeta trazendo aos homens a sabedoria que Deus implantou no universo.
- Lino deixe disso. Tentei demovê-lo de seu delírio.
- Amigo...Acredite...Existe mesmo disco voador. Que é o transporte de um povo inteligente que irão nos trazer a paz e o amor. Se for para o bem da humanidade, veja que felicidade esta intervenção. Aqui na terra só se pensa em guerra, matar o vizinho é nossa intenção.
 Lino empolgado levantou-se da cadeira de balanço mais uma vez. Pude notar o seu esplendor. Fisicamente perfeito e dono da situação, levantou os braços olhando  para o céu, e com gesto sutil impediu  que eu o interrompesse com minha descrença e trazendo-me a realidade continuou.
Amigo, se Deus que é todo poderoso fez este colosso suspenso no ar, porque não pode ter criado um mundo apartado da terra e do mar... Tem gente que não acredita, acha que é fita os mistérios profundos, quem tem um filho, pode ter mais filhos, o Senhor também pode ter outros mundos.
E continuando seu discurso, respirou fundo e calmamente com palavras sóbrias  continuou...
- Na visão da sociedade  a minha falta de comunicação com este mundo é uma deficiência, a solução está tão perto de ser descoberto pela ciência, porém em vez de fabricar remédios para curar o tédio e outras doenças, preferem inventar armas atômicas, mísseis teleguiados, armas químicas e de hidrogênio, usam seu gênio fabricando bombas. Os homens de nosso planeta dão à impressão que já não tem mais crença, mas,  por mais que cresçam, perante Deus qualquer gigante tomba.
- Suas palavras tocaram-me profundamente. Aquele jovem de mundo distante estava ali me evangelizando. A coerência de suas palavras fazia com que o admirasse ainda mais. Lino sentou-se com movimento suave e disse:
- Amigo, o nosso mundo é um espelho que reflete a realidade. Quem forma vinha colhe uva e quem planta chuva colhe tempestade. Tudo o que não presta neste mundo morre por si mesmo. Quando eu voltar terei informações suficientes para conduzir os homens  a mudarem seus comportamentos objetivando-os  a mudar para um mundo melhor.
 Sentado em sua cadeira de balanço, Lino foi encostando, olhando em meus olhos agradeceu-me pela tarde maravilhosa.
- Num futuro breve teremos a oportunidade de nos comunicarmos outra vez.
Fechou os olhos e no seu habitual vai e vem sincronizado deu início a seu murmúrio:
- “ Huuuuuuuuuuuuuuuuu,hummmmmmmmmmmm,
hummmmmmmmmmmmm”
Lino lentamente foi se desligando  de nosso mundo, retornando a sua condição anterior.  Levantei-me desesperadamente  e tentei comunicar-me mas foi em vão. Lino estava novamente em seu mundo particular. Naquela tarde fui agraciado por Deus que permitiu que por alguns instantes eu tivesse com ele. Teria sido um sonho? A certeza da realidade me convencia.
 A partir de então passei a ver o mundo de forma diferente. Todas as tardes sentava-me com ele e ficávamos horas juntos, embora não mais tivesse tido a oportunidade de participar de seu mundo particular.
Na manhã de 21 de setembro acordei ansioso. Era o dia do aniversário de Lino, completava 14 anos. Caminhei até minha janela e vi a dona Lídia  conduzindo-o  até sua cadeira de balanço. Ele estava diferente, muito elegante. Trajava um terno escuro, camisa branca e gravata vermelha. Seria um dia especial. Lino estava como nunca o havia visto antes. Concentrado, não tirava os olhos do céu.
Um clarão surgiu no horizonte. Meus olhos ofuscaram. Corri para abrir a porta e sai. Vi Lino se levantando e andando em direção àquela luz. Sua avó rezando o abençoava.

Lino caminhou alguns passos,  virou-se em minha direção e abriu um sorriso. Ergueu sua mão direita e acenou. Entrei em desespero e comecei a correr para tentar impedi-lo de partir. Ele, com voz firme disse:
- Fique tranquilo amigo, eu voltarei.
Meu corpo ficou paralisado, como se estivesse preso num campo de força, não consegui me mover. Naquele momento convenci-me que naquele dia vivi  alguns minutos em seu mundo.  Lino lentamente foi sendo envolvido pela luz até desaparecer completamente.
Pude ficar muito próximo daquele objeto. Era uma nave, na verdade, um disco voador, dourado com janelas escuras e luzes brilhantes que piscavam sem parar, exatamente como ele havia descrito. A nave levantou voou e na velocidade da luz   rasgou o céu, em fração de segundos desapareceu. Comecei a chorar. Fiquei desorientado, neste momento senti uma mão em meus ombros acariciando-me, era a doce vovó Lídia dizendo-me:
- Meu filho, fique tranquilo, o caminho de rumos incertos do meu menino chegou ao fim. Quando Lino retornar será um homem feito, como tantos outros que retornaram. Ele voltara com a missão de melhorar nosso planeta.         



       

O SÁBIO






Durante o século 20 uma grande revolução armada ocorreu num dos maiores países asiáticos. Estas forças tomaram o poder e implantaram o regime comunista. As leis de direitos humanos foram abolidas; o cidadão teria que viver somente em função do estado. No novo sistema político era proibido, e pago com a vida, quem portasse ou possuísse pergaminhos, manuscritos, livros, revistas ou jornais. Estes foram considerados obscenos, pois contrariavam a moral e bons costumes, já que levavam as pessoas a viajarem por lugares impossíveis através da imaginação. Tudo era proibido, a não ser, os livros que fossem editados pelo novo governo, onde a escrita manipulava a população, deixando-os alienados ao atual regime.
O povo viu a sua milenar cultura ser destruída pelo fogo, sem nada poder fazer. Logo a descrença e desinformações surgiram. Os jovens não acreditavam em nada, somente no que o governo os informava, e em pouco tempo uma nova geração de adeptos floresceu. Os mais fracos e excluídos criaram seus líderes, entre eles um velho morador de uma aldeia próxima, muito paciente, atendia a todos que o procuravam. Tinha longos cabelos e barbas brancas. Era uma figura carismática e sempre tinha uma palavra de paz e orientação sobre a saúde, higiene e educação, logo sua popularidade se espalhou pelo país. As pessoas acreditavam que o velho sábio vinha fazendo milagres, mas na verdade, os orientava de como utilizar as ervas medicinais, ou sobre qualquer assunto de economia, medicina, astrologia, ou misticismo. Seu nome passou a ser uma lenda viva.
O sábio da aldeia morava num casarão enorme herdado de sua família. Adquiriu credibilidade até com os soldados fiéis do governo, pois constantemente era visitado por eles á procura de informações para solução de problemas. O governo se incomodava com a constante intervenção do sábio, porém para evitar uma convulsão social fazia vistas grossas, pois acreditavam que ele não viveria por muito tempo. O regime cruel tirava das famílias os filhos homens, ainda bebês, para fazer parte do exército no futuro, e aos 08 anos de idade era feito uma avaliação. Os que não conseguissem uma média aceitável eram dispensados e abandonados pelas ruas para viverem a própria sorte. O sábio preocupado com o futuro de seu povo saiu pelas ruas e sem muito critério escolheu 100 meninos.
Estas crianças enquanto enclausurados, sobre o domínio dos militares, aprenderam a ler e escrever. O sábio levou-os para o casarão. Após algum tempo adquiriu a confiança de todos, e sobre a promessa de um pacto de silêncio, repassaria todo seu conhecimento. Levou-os até um grande porão, através de uma passagem secreta, disfarçada de parede ornamentada com um grande relógio, onde os meninos ficaram deslumbrados ao encontrarem centenas de livros, ali guardados há muitos anos, todos cuidadosamente numerados por assunto sobre as prateleiras, envoltos com um plástico transparente para protegê-los da ação do tempo.
Os livros abordavam assuntos sobre biologia, matemática, filosofia, entre milhares de temas. O sábio pacientemente pedia silêncio á seus discípulos, e com alguma dificuldade relatou como conseguira aquele acervo. Contou-lhes que aproveitou os descuidos da polícia nos primeiros meses da revolução e visitou bibliotecas que ficaram completamente abandonadas. Conseguiu transferir para sua casa, os livros que poderiam trazer algum benefício para o futuro de seu povo.
Em pouco tempo possuía uma das melhores bibliotecas do mundo, pois selecionou os autores e um dos mais diversificados acervos de informações jamais vista.  Passou anos naquele porão, lendo e adquirindo cultura. Através dos livros conheceu países, planetas, a dinâmica do corpo humano e personalidades. Obteve tantas informações que decidiu repartir com o seu povo, na esperança que um dia, todos reunidos, pudessem recuperar a liberdade. O povo acreditava que o sábio recebia inspirações divinas, e para não levantar suspeitas ele aceitou essa condição. No entanto, já tinha idade avançada. Necessitava repassar seus conhecimentos e criar novos sábios que pudessem levar a população a cultura de seus antepassados e terem consciência daquele poder autoritário.
Os meninos encantados aceitaram o desafio, na esperança que um dia também tivessem informações para dividir com os cidadãos do país. Dedicaram-se diariamente. Liam tudo que podiam, sobre diversos assuntos. Viveram em mundos diferentes. Ávidos por mais informações, não perceberam que o tempo passava depressa. O sábio adoentado parecia aguardar o momento certo para partir. Acompanhava todos os dias o desenvolvimento cultural dos seus discípulos, que cada vez mais informados, questionavam-no ainda mais, levando o velho sábio a pesquisar para responder  todas as questões. Os meninos já orientavam as pessoas demonstrando sabedoria e conhecimento. Assim conquistaram a credibilidade do povo que os conheciam como discípulos do grande sábio.
Este fato levou os comandantes a convocá-lo a se apresentar na capital, para um interrogatório. Esta intimação chegou aos ouvidos dos meninos, que souberam da rigorosa vistoria no casarão a procura de livros. Os meninos se articularam durante dias para proteger tudo que o velho sábio havia construído.
            Dias depois, os militares acompanhados de um verdadeiro pelotão, dirigiram-se ao casarão. Desconfiados, vasculharam-no a procura de algo que pudesse incriminar o grande sábio. Encontraram a passagem secreta, e para surpresa de todos encontraram cem jovens sentados no chão de mãos dadas, com olhos fechados, como se estivessem meditando.
Um deles levantou-se e pediu aos soldados que fizessem silêncio, pois ali era um lugar de concentração, e estavam recebendo os fluídos e energias que transmitiam sabedoria. Os soldados percorreram todo porão e não encontram nada. Convencidos que os meninos estavam meditando deixaram o local. O sábio surpreendeu-se ao ver que todos os livros estavam no porão, não entendeu como os meninos havia os escondido. Os jovens contaram-lhe que através dos livros conheceram técnicas e truques de como ocultá-los na floresta, sem que ninguém pudesse vê-los. Desta forma provaram a seu mestre que praticavam tudo o que aprenderam nos livros e que buscavam mostrar o caminho da verdade ao seu povo.

Alguns anos se passaram e o velho sábio partiu, mas deixou seus discípulos e uma verdadeira legião de seguidores. Centenas de sábios foram espalhados por todo país, levando informações e cultura para os povos. O casarão foi preservado, considerado pelo governo intocável, sob pena de morte, para qualquer invasão ou infratores. Os sábios necessitando de respostas a muitas perguntas dos seus semelhantes, até hoje se reúnem no casarão e desfrutam de bons momentos, envolvendo-se nas leituras dos livros, a fim de enriquecer ainda mais seus conhecimentos, seguindo as orientações do grande mestre que sempre dizia que nunca é tarde para  aprender, e o que sabemos nunca é o suficiente. 

O VESTIDO


1900. A família Chaib chega ao Brasil e instala-se numa conhecida rua do Brás. Ali montaram uma confecção de roupas femininas, onde a esposa e os filhos tornaram-se funcionários da loja. Trabalhavam de sol a sol para o crescimento de sua pequena fábrica. Aos sábados iam á Sinagoga. As mulheres usavam roupas compridas de cores escuras e lenços na cabeça. Os homens de ternos pretos. Para diferenciar-se dos demais comerciantes Sr. Chaib mandou construir sobre a marquise da loja uma vitrine de alvenaria com vidros aparente e vestiu um manequim com o primeiro vestido ali confeccionado. Impermeabilizou-o com um produto trazido do velho continente para sua conservação. O modelo trazia um tecido fino de cor ousada. Longo e decotado, sem alças e bem acinturado, com luvas de meio punho. Este serviu de modelo para muitas moças, que desfilavam em festas com grande estilo.
Aproximadamente a cada dez anos a loja passava por reformas, mas em nenhum momento Sr. Chaib permitia que tocassem na vitrine, pois a mesma tornara-se um marco, passando até mesmo a ser um ponto turístico, levando seu comércio a crescer continuamente. Com o passar das décadas, a loja ganhou novo aspecto, apesar do vestido exposto na vitrine estar obsoleto, ainda o mantinha como seu layout, tornando-se o símbolo, a marca da empresa.
1960. A moda muda totalmente, no comprimento dos vestidos, nos tecidos, na qualidade, mas ainda assim, aquele vestido continuava sendo o marco de seu negócio.
1970. Após novos investimentos, as filiais chegaram a outros bairros, gerenciadas pelos netos. A loja matriz também se transforma, nem parecia a mesma casa construída no início do século. Os novos administradores não ousavam tocar na vitrine. Esporadicamente faziam a limpeza dos vidros, deixando-os sempre com aspecto de novos.
1980 o bisneto mais velho de Sr. Chaib iniciou seus estudos a fim de se preparar para assumir os negócios. Dez anos depois, Adib após concluir seu doutorado em administração, assume a empresa. Sua primeira atitude fora solicitar a demolição da vitrine, pois com seu conhecimento acadêmico considerava aquele símbolo ultrapassado. Não combinava mais com o novo estilo da loja. Muitos tentaram impedir que a derrubasse, mas Adib não deu ouvidos, e aquela vitrine tão estimada por muitos chegava ao fim. Ordenou que guardassem o vestido, que estava perfeito. Sua cor continuava viva. Adib sentia-se aliviado por não ver mais a velha vitrine.
Na manhã seguinte ao chegar na loja, levou um susto, olhou para cima e viu a vitrine com o vestido no mesmo lugar, como se não tivessem a tirado dali. Ficou indignado com tamanha ousadia, quem o teria desobedecido? Novamente ordenou a demolição da vitrine, os funcionários envolvidos demonstravam contrariedade, mas obedeceram, e foram obrigados a cortar o vestido. Ao amanhecer Adib voltou na loja, e não acreditou no que viu, estava surpreso. Lá estava a vitrine intacta novamente, e o vestido que mandara picotar, estava no manequim como antes. Ficou transtornado, pois ele mesmo viu quando iniciaram o trabalho de demolição. Decidiu ver de perto o que estaria acontecendo.
Naquela madrugada descobriria quem estaria lhe enfrentando. Ordenou novamente que a derrubassem e sumissem com o vestido.  Meia noite, a rua estava deserta. Adib aguardava sem saber o quê, e nem a quem. Aproximadamente 01:00 hora da manhã, ouviu barulho, eram vozes. Viu a certa distância um grupo de pessoas, aproximando-se da loja, os homens estavam trajados com ternos pretos, as mulheres com vestidos compridos de cores escuras e lenços na cabeça. Traziam ferramentas, vidros, e objetos de costura. Viu quando eles entraram na loja e rapidamente reconstruíam a vitrine, as mulheres costuravam o vestido cuidadosamente.
Adib tentava sair do lugar onde estava, mas não conseguia, parecia estar imobilizado. O tempo a sua volta passava muito rápido, queria falar, mas também não conseguia. Assim que a vitrine estava erguida, Adib conseguiu se mover e correu em direção àquelas pessoas que partiam e aos gritos questionou-os como ousavam mexer em sua propriedade? Todos pararam olhando-o fixamente, uma senhora tomou a frente e respondeu-lhe que aquela vitrine era a responsável pelo sucesso da loja  e que a ele fora dado a missão de preservá-la, disse-lhe ainda que não se constrói um futuro sem dar o devido valor ao passado.
 Adib naquele momento reconheceu os rostos daquelas pessoas. Surpreso percebeu que eram os mesmos dos retratos espalhados pelo escritório, eram os fundadores da loja, eram seus familiares, que ainda estavam ao seu lado, lutando para manter aquele patrimônio e a família unida.


PEDRAS PRECIOSAS


Por onde as pedras rolam cria-se o caminho da esperança. Com meu corpo ardendo de desejo atirei-me em busca do amor. Atenta aos detalhes não tirava os olhos dos pedregulhos, jovens, fortes, exuberantes, que desfilavam num vai e vem sem compromisso, mas uma paixão fulminante atravessou meu caminho, o pedregulho dominante, que apesar de assediado por Ametistas,  Opalas, Turmalinas, Safiras e Alexandritas, não se deixava seduzir,  como um belíssimo líder, postou-se a minha frente e com um gesto arrasador transfixou seu olhar em meu corpo. Senti naquele instante o mais nobre dos sentimentos ao puro Diamante.
Longos dias se passaram. Aos jovens enamorados um amor enlouquecedor tomou conta do nosso ser. Entre desejos e fantasias realizadas   cheguei a enjoar, senti calafrios, mal estar. Nasceu meu menino, Rubi, vigoroso, queria brincar, corria de um lado para outro, sozinho não podia ficar.
Mais tarde nasceu Esmeralda uma bela menina, olhos verdes, carinhosa e companheira. Formávamos uma família perfeita, mas antes que curtíssimos a alegria de vê-los crescer, o destino nos abençoou, com a chegada de nosso caçula Topázio, que com seus olhinhos brilhantes devolveu-nos a infância. Demonstrava que no futuro seria um líder como o pai. Com seu jeitinho maroto, obrigava-nos a brincar de ciranda-cirandinha, corre-corre, pega-pega, pula,pula... E quando a noite chegava só conseguíamos dormir a beira-mar onde nos reuníamos e  ficávamos juntinhos.

Durante a madrugada éramos banhados pelas ondas do mar, que nos levava a uma alucinante viagem pelas riquezas naturais, onde  seus  segredos  eram protegidos pelas conchas que guarda em seu ser a valiosa e feliz Pérola do oceano.

SEGREDOS DO CASARÃO



Mais um dia. A nossa cidade estava reluzente. As ruas arborizadas e o sol iluminava com todo seu esplendor. A admiração por esta maravilha era interrompida pelo barulho da reforma do velho casarão na praça, onde várias lojas estavam sendo montadas. Mesmo antes do término do casarão, um homem ainda jovem, de aproximadamente 35 anos, apressou-se em alugar uma sala, que ficava de frente para a rua. Para surpresa de todos, colocou um letreiro informando a finalidade da loja com letras enormes.
 “S A P A T A R I A”.
Seu nome é Zeca. Teve o cuidado de decorar a sapataria com estilo antigo. Ornamentou com um grande relógio de parede, preparou a bigorna, cola, avental de couro. Usava um bigodinho, tinha cabelos negros e um olhar marcante. A desconfiança das pessoas da cidade foi superada pela amizade que rapidamente conquistou junto aos moradores. Em menos de um ano de instalação já era o mais querido comerciante da praça. Dizem que certa tarde a senhora Bonfá chegou à sapataria com grande dificuldade e começou a reclamar da vida. Lamentava que tinha que ser internada, mas não tinha condições, nem convênio médico, para tratar do seu grave problema de circulação. Zeca a ouvia pacientemente e após consertar a sua sandália levou-a até a sua casa. Durante a caminhada confortou-a dizendo que ficasse tranquila, pois tudo seria resolvido.
Para a surpresa de todos,  um concurso de uma rádio local, presenteou dona Bonfá com um internamento e tratamento médico, o qual curou-a definitivamente. O velho Mané também foi agraciado, após se queixar com o sapateiro, conseguiu o emprego que tanto desejava numa das filiais da Petrobrás. A turma do morro, frequentadores assíduos da sapataria, reclamava da falta de água, de luz, esgoto e asfalto. Não demorou muito, o governo Federal aprovou uma verba, para o saneamento básico daquela região, pois esta faria parte de um circuito turístico que a cidade fora contemplada para fazer parte.
Dona Celina, a mulher mais idosa do bairro ,dizem que ela tem 90, 93, 95 anos, na verdade nunca se questionou a idade daquela senhora, reparou que os sapatinhos de seus netinhos precisavam de conserto e decidiu levá-los a sapataria. Apesar de sua idade, caminhava firme, atravessou as ruas cautelosamente e chegou à praça de onde podia avistar o casarão todo reformado. Parou, observou, e percebeu que alguma coisa lhe chamava atenção. Notou que a decoração da sapataria era semelhante a uma que frequentava quando criança. Teve a oportunidade de lembrar de seus pais, de seus irmãos, principalmente de seu irmão caçula, que há mais de sessenta anos não via, nunca tivera informações ou mesmo notícias sobre ele.
Com tantas lembranças passou a caminhar mais lentamente. Na verdade se deliciava com tantas recordações maravilhosas. Seu coração disparou quando viu aquele homem que veio recebê-la... Mas era o mesmo rapaz?!...Era idêntico ao sapateiro que tinha em sua mente, como podia ser? Seria ele o bisneto do velho sapateiro que trabalhava em sua cidade quando era criança? Zeca a recebe com atenção. A princípio um pouco tenso, mas respira fundo e dando-lhe um sorriso a cumprimenta:
- Olá Nina!
Era assim que a chamavam quando criança.
- Como sabe o meu apelido?
- Eu sei tudo. Sei também onde está seu irmão. Bateu-lhe um certo desespero misturado a ansiedade. Dona Celina segurou-lhe as mãos e implorava que lhe desse informações sobre seu querido irmão. Zeca pediu que se acalmasse:
- Sente-se. Acalme-se. Vou lhe contar enquanto conserto os sapatinhos de seus netinhos. Dona Celina ouvia atentamente, e logo começou a contar toda a sua história, e sem que ela percebesse narrava situações em que o sapateiro participava. Ao terminar o conserto Zeca pediu que Dona Celina voltasse para a casa, pois teria uma surpresa muito agradável. Quando o carteiro passou, entregou-lhe uma carta de seu irmão, há tanto tempo desaparecido. Dona Celina estava incrédula. Saiu pelas ruas, para tirar informações do sapateiro, só recebia referências maravilhosas sobre ele, que ajudou o prefeito a fechar um grande contrato com empresas para se instalar no município, gerando desta forma muitos empregos. Conseguiu incentivar os moradores a reformarem suas casas e construírem em lugares seguros, longe dos morros, e livres do risco de desabamentos. Escolas para todas as crianças carentes. Vagas para adolescentes em cursos profissionalizantes. Dona Celina ficou encantada. Em sua mente voltou a imagem de infância, lembrou-se que havia tirado uma fotografia em frente a sapataria, que estava guardada em seu baú. Apressou-se e rapidamente voltou para sua casa, procurou até encontrar. Seus olhos não podiam acreditar no que viram. A decoração do casarão da foto era exatamente igual a da sapataria de Zeca. Saiu e foi até lá. Chegando surpreendeu-se ao notar que os detalhes eram os mesmos, a bigorna, a cola, o avental pendurado no mesmo lugar. Um calendário de 1907, o relógio de parede, os móveis, a banqueta. Tudo igual. Olhava para a fotografia e falava admirada:
- Não sei como você consegue? Sabe quando éramos pequenos, meu pai já estava muito doente, com tuberculose... Antes mesmo que Dona Celina terminasse de falar, Zeca segurou-lhe nas mãos e disse:
- Eu sei Nina! Você entrou por esta porta e chorava dizendo que seu pai iria morrer, e que vocês ficariam desamparados. Apesar dos exames da época, os médicos tiveram que reconhecer que haviam errado no diagnóstico, pois não passava de uma gripe forte.
- Foi você, não foi? Não é possível, ele estava á beira da morte, de repente, sarou e cuidou de toda a família, como se nada tivesse acontecido.
- Sim Nina, fui eu. Por alguma razão fui escolhido para viver assim. Há séculos ando pelo mundo como sapateiro, ajudando a todos que me procuram. Fico em cada lugar até que os moradores comecem a desconfiar de alguma coisa, porque eles envelhecem e eu permaneço jovem. Então este é o sinal que chegou a hora de mudar de lugar e recomeçar. Esta é minha missão. Dona Celina levantou-se e disse
- Agradeço a Deus por esta oportunidade, pois assim que meu pai melhorou, o senhor partiu, e pedi a Deus que não me deixasse morrer sem antes agradecer àquele que fora o motivo de sua cura.
Agora sei do seu segredo, e sei que irás partir, pois já ouço rumores que o senhor mantêm-se muito jovem desde que chegou aqui.