Nos
campos do planalto Sul a floresta com araucárias cobria um terço de três
estados. Abrangia uma área de 20.000 metros quadrados .
Sua destruição começou com a chegada dos europeus desde a colonização até a
metade do século. Em 1913 na região de Santa Catarina iniciava-se a Guerra do
Contestado, onde morreram milhares de pessoas.
Nesta
época chegavam centenas de imigrantes. Minha família entre eles, pôde
acompanhar o princípio dos combates. Ainda não havíamos nos adaptado aos
costumes da terra, tínhamos esperança de viver num lugar melhor que o nosso
país.
Mesmo
de muito longe a população preocupada, estocava alimentos, na esperança que
tudo não passasse de um conflito passageiro, porém a situação se agravou e logo
podíamos ouvir os tiros na praça e os bombardeios por cima das casas, nos
obrigando a refugiarmos para a igreja do Padre Luiz, que procurava salvaguardar
a integridade física dos ocupantes com mensagens enormes escritas em lençóis e
bandeiras, colocados sobre o telhado, na esperança que não atacassem aquele
local sagrado.
Durante
alguns dias deu certo, mas os ataques foram inevitáveis. O padre Luiz liderou e
organizou a saída dos refugiados, e numa fila indiana as cem famílias, entre
elas a minha, retiraram-se do local embaixo de um verdadeiro bombardeio, onde
pelo caminho ficavam alguns moradores e imigrantes feridos, porém a maioria
conseguiu chegar até a saída do município. O padre Luiz permaneceu em sua
igreja.
Subindo
as montanhas era possível ver a destruição da cidade. Todos ficavam
apreensíveis, quando avistavam mesmo á distância o padre que corria de um lado
para outro, pedindo e gesticulando para que os soldados não atirassem na
igreja. No entanto, um dos pelotões sediados na praça apontou os canhões para
atirar. O padre correu para dentro da igreja acreditando que não o fariam. O
tenente percebendo qual era a intenção do padre, que não saia do templo, deixou
que disparassem as bombas sobre seu teto.
A
explosão a destruiu totalmente. Os retirantes gritavam e choravam, pedindo
clemência a Deus, para que estas atrocidades terminassem. Mas o inimigo era
poderoso, e por todas as partes chegavam soldados destruindo tudo que era
possível.
Os
imigrantes acompanhavam os camponeses e juntos embrenharam-se nas matas, porém
não se entendiam, pois falavam línguas diferentes. Decidiram então se unirem
formando um só grupo e prosseguir, pois os camponeses acreditando que a guerra
seria passageira acamparam nas montanhas na esperança de retornarem ás suas
casas. Os retirantes caminharam durante dias. Sentiam muita fome. No interior
da floresta, o ar gelado da manhã parecia mais denso, pois os raios solares não
conseguiam refletir entre as árvores imensas de troncos cilíndricos e robustos,
que atingiam mais de cinqüenta metros de altura.
Os
homens se encarregaram de caçar pequenos animais para alimentação, mas o
inverno era rigoroso, tornando a caça impraticável, deixando a alimentação
escassa. Era possível ver á distância, nas montanhas os soldados enfileirados
caminhando para a cidade. Os retirantes rezavam para que a guerra acabasse. Durante
um mês andaram entre as cordilheiras, até chegarem num vale cercado de árvores
e muitas montanhas. Ali se estabeleceram, pois estavam seguros que naquele
local ninguém poderia vê-los, nem pelo céu, nem pela terra.
A falta
de alimento piorava. Os homens não conseguiam caçar animais suficientes para
alimentar mais de cem pessoas. As orações eram intermináveis. Entretanto havia
uma verdadeira avalanche de frutos que caiam das árvores, mas não tínhamos
nenhum conhecimento sobre ele, pois a árvore era nativa do Brasil, e nunca
tínhamos vimos nada parecido.
Algumas
lendas falavam de frutos venenosos, por desconhecê-lo e por receio, os usavam
para fazer fogueiras nos acampamentos. Curiosamente abriram o fruto que trazia
no seu interior várias sementes, que segundo o conhecimento da época era para
ser plantado, pois as árvores serviam para lenha e sua quantidade de sementes
manteria a floresta sempre renovada. Os troncos serviam para alicerce e paredes
das casas, e lenha para fogueiras que os mantinham aquecidos.
As
mulheres na impossibilidade de obterem madeiras para manter a fogueira acesa,
colhiam centenas de sementes espalhadas pelo chão e jogavam para reativá-la, as
chamas atingiam proporções que iluminavam todo o vale.
A geada
caía em grande
quantidade. Ao amanhecer a fogueira já havia se apagado,
restando somente brasas. Observaram que muitas sementes ficavam queimadas, mas
outras devido ao calor recebido por toda a madrugada, amanheciam abertas com
suas polpas totalmente á mostra.
Uma
mulher resolveu pegar uma das sementes e degustá-la, pois seu aroma era
agradável. Qual não foi a sua surpresa, estava saboreando uma semente
deliciosa. Logo outras pessoas estavam experimentando também. Uma vez aprovado
por todos, as mulheres começaram a desenvolver e criar receitas com o fruto.
Perceberam que era muito nutritiva, pois se sentiam bem alimentados e mais
resistentes.
Empolgadas
com a novidade, as cozinheiras começaram a preparar pratos diversificados com o
fruto, cozinhavam-no com carne, faziam farinhas, bolos, pão, ralavam e
acrescentavam a outros cardápios, faziam até macarrão. Em pouco tempo àquela
semente passou a ser o ingrediente principal para a alimentação dos refugiados.
Agradeciam a Deus incansavelmente pela graça recebida, por terem descoberto
aquele sagrado fruto que lhes salvou a vida.
Após
cinco anos naquele local, notaram que a guerra havia acabado. Não avistavam
mais os soldados nem ouviam os bombardeios. Estavam todos fortes e saudáveis.
Os
jovens decidiram voltar ao município. Os mais velhos, ainda assustados,
resolveram ficar com suas crianças. Os aventureiros saíram em peregrinações. Ao
chegar à cidade encontraram-na completamente destruída. Dali dispersaram-se
para outros municípios e estados, alguns partiram para o Paraguai, Uruguai e
Argentina.
No
decorrer do tempo os que partiram escreviam com certa freqüência ao vilarejo,
localizado no vale onde ficaram seus parentes e amigos. Mas todas as cartas
eram devolvidas ao remetente com a mensagem de endereço desconhecido. A
diretoria do correio, desconfiada e preocupada com inúmeras cartas enviadas nos
últimos anos para um local onde ninguém conseguia localizar, mandou investigar,
pois teve conhecimento da história através de um dos sobreviventes que habitava
o vale.
Organizaram
então uma caravana, que na ânsia de encontrar o vilarejo percorriam as
montanhas. A equipe era levada pelo aroma que exalava atrás da floresta. Um
cheiro maravilhoso, de bolo, pães, salgados e doces. Acreditando que
encontrariam o local seguiam alegres, mas ao atravessar a montanha, ficavam
decepcionados, pois nada encontravam. Na noite seguinte novamente sentiam
aquele aroma que vinha do outro lado da montanha, ainda mais apetitoso.
Imaginavam pratos saborosos, cozidos e assados. Desarmavam as barracas e de
novo esperançosos iam ao encontro do agradável cheiro, mas como na noite
anterior, e dezenas de outras delas, não encontravam nada.
Depois de meses de procura
sem êxito, decepcionados, decidiram voltar e desistir da busca. Encontravam-se
inconformados, pois parecia que estavam a cada dia mais próximos do lugar onde
viviam aquelas pessoas, entretanto, parecia invisível aos seus olhos.
Os
responsáveis responderam aos sobreviventes que procuravam por seus parentes,
que após uma minuciosa busca, não haviam encontrado nenhuma pista do vilarejo.
No
entanto, durante as noites frias de inverno era possível sentir um aroma que se
espalhava por todas as montanhas da região. Aquele povoado passou a viver em
plena harmonia, pois descobriram um lugar onde Deus levou a paz e a
oportunidade de conhecer um fruto milagroso, que salvou muitas vidas e ainda
hoje é pouco explorado por falta de conhecimento, que é o Pinhão, o bendito
fruto das araucárias.
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