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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O MILAGRE QUE VEIO DO SUL




Nos campos do planalto Sul a floresta com araucárias cobria um terço de três estados. Abrangia uma área de 20.000 metros quadrados. Sua destruição começou com a chegada dos europeus desde a colonização até a metade do século. Em 1913 na região de Santa Catarina iniciava-se a Guerra do Contestado, onde morreram milhares de pessoas.
Nesta época chegavam centenas de imigrantes. Minha família entre eles, pôde acompanhar o princípio dos combates. Ainda não havíamos nos adaptado aos costumes da terra, tínhamos esperança de viver num lugar melhor que o nosso país.
Mesmo de muito longe a população preocupada, estocava alimentos, na esperança que tudo não passasse de um conflito passageiro, porém a situação se agravou e logo podíamos ouvir os tiros na praça e os bombardeios por cima das casas, nos obrigando a refugiarmos para a igreja do Padre Luiz, que procurava salvaguardar a integridade física dos ocupantes com mensagens enormes escritas em lençóis e bandeiras, colocados sobre o telhado, na esperança que não atacassem aquele local sagrado.
Durante alguns dias deu certo, mas os ataques foram inevitáveis. O padre Luiz liderou e organizou a saída dos refugiados, e numa fila indiana as cem famílias, entre elas a minha, retiraram-se do local embaixo de um verdadeiro bombardeio, onde pelo caminho ficavam alguns moradores e imigrantes feridos, porém a maioria conseguiu chegar até a saída do município. O padre Luiz permaneceu em sua igreja.
Subindo as montanhas era possível ver a destruição da cidade. Todos ficavam apreensíveis, quando avistavam mesmo á distância o padre que corria de um lado para outro, pedindo e gesticulando para que os soldados não atirassem na igreja. No entanto, um dos pelotões sediados na praça apontou os canhões para atirar. O padre correu para dentro da igreja acreditando que não o fariam. O tenente percebendo qual era a intenção do padre, que não saia do templo, deixou que disparassem as bombas sobre seu teto.
A explosão a destruiu totalmente. Os retirantes gritavam e choravam, pedindo clemência a Deus, para que estas atrocidades terminassem. Mas o inimigo era poderoso, e por todas as partes chegavam soldados destruindo tudo que era possível.
Os imigrantes acompanhavam os camponeses e juntos embrenharam-se nas matas, porém não se entendiam, pois falavam línguas diferentes. Decidiram então se unirem formando um só grupo e prosseguir, pois os camponeses acreditando que a guerra seria passageira acamparam nas montanhas na esperança de retornarem ás suas casas. Os retirantes caminharam durante dias. Sentiam muita fome. No interior da floresta, o ar gelado da manhã parecia mais denso, pois os raios solares não conseguiam refletir entre as árvores imensas de troncos cilíndricos e robustos, que atingiam mais de cinqüenta metros de altura.
Os homens se encarregaram de caçar pequenos animais para alimentação, mas o inverno era rigoroso, tornando a caça impraticável, deixando a alimentação escassa. Era possível ver á distância, nas montanhas os soldados enfileirados caminhando para a cidade. Os retirantes rezavam para que a guerra acabasse. Durante um mês andaram entre as cordilheiras, até chegarem num vale cercado de árvores e muitas montanhas. Ali se estabeleceram, pois estavam seguros que naquele local ninguém poderia vê-los, nem pelo céu, nem pela terra.
A falta de alimento piorava. Os homens não conseguiam caçar animais suficientes para alimentar mais de cem pessoas. As orações eram intermináveis. Entretanto havia uma verdadeira avalanche de frutos que caiam das árvores, mas não tínhamos nenhum conhecimento sobre ele, pois a árvore era nativa do Brasil, e nunca tínhamos vimos nada parecido.
Algumas lendas falavam de frutos venenosos, por desconhecê-lo e por receio, os usavam para fazer fogueiras nos acampamentos. Curiosamente abriram o fruto que trazia no seu interior várias sementes, que segundo o conhecimento da época era para ser plantado, pois as árvores serviam para lenha e sua quantidade de sementes manteria a floresta sempre renovada. Os troncos serviam para alicerce e paredes das casas, e lenha para fogueiras que os mantinham aquecidos.
As mulheres na impossibilidade de obterem madeiras para manter a fogueira acesa, colhiam centenas de sementes espalhadas pelo chão e jogavam para reativá-la, as chamas atingiam proporções que iluminavam todo o vale.
A geada caía em grande quantidade. Ao amanhecer a fogueira já havia se apagado, restando somente brasas. Observaram que muitas sementes ficavam queimadas, mas outras devido ao calor recebido por toda a madrugada, amanheciam abertas com suas polpas totalmente á mostra.
Uma mulher resolveu pegar uma das sementes e degustá-la, pois seu aroma era agradável. Qual não foi a sua surpresa, estava saboreando uma semente deliciosa. Logo outras pessoas estavam experimentando também. Uma vez aprovado por todos, as mulheres começaram a desenvolver e criar receitas com o fruto. Perceberam que era muito nutritiva, pois se sentiam bem alimentados e mais resistentes.
Empolgadas com a novidade, as cozinheiras começaram a preparar pratos diversificados com o fruto, cozinhavam-no com carne, faziam farinhas, bolos, pão, ralavam e acrescentavam a outros cardápios, faziam até macarrão. Em pouco tempo àquela semente passou a ser o ingrediente principal para a alimentação dos refugiados. Agradeciam a Deus incansavelmente pela graça recebida, por terem descoberto aquele sagrado fruto que lhes salvou a vida.
Após cinco anos naquele local, notaram que a guerra havia acabado. Não avistavam mais os soldados nem ouviam os bombardeios. Estavam todos fortes e saudáveis.
Os jovens decidiram voltar ao município. Os mais velhos, ainda assustados, resolveram ficar com suas crianças. Os aventureiros saíram em peregrinações. Ao chegar à cidade encontraram-na completamente destruída. Dali dispersaram-se para outros municípios e estados, alguns partiram para o Paraguai, Uruguai e Argentina.
No decorrer do tempo os que partiram escreviam com certa freqüência ao vilarejo, localizado no vale onde ficaram seus parentes e amigos. Mas todas as cartas eram devolvidas ao remetente com a mensagem de endereço desconhecido. A diretoria do correio, desconfiada e preocupada com inúmeras cartas enviadas nos últimos anos para um local onde ninguém conseguia localizar, mandou investigar, pois teve conhecimento da história através de um dos sobreviventes que habitava o vale.
Organizaram então uma caravana, que na ânsia de encontrar o vilarejo percorriam as montanhas. A equipe era levada pelo aroma que exalava atrás da floresta. Um cheiro maravilhoso, de bolo, pães, salgados e doces. Acreditando que encontrariam o local seguiam alegres, mas ao atravessar a montanha, ficavam decepcionados, pois nada encontravam. Na noite seguinte novamente sentiam aquele aroma que vinha do outro lado da montanha, ainda mais apetitoso. Imaginavam pratos saborosos, cozidos e assados. Desarmavam as barracas e de novo esperançosos iam ao encontro do agradável cheiro, mas como na noite anterior, e dezenas de outras delas, não encontravam nada.
Depois de meses de procura sem êxito, decepcionados, decidiram voltar e desistir da busca. Encontravam-se inconformados, pois parecia que estavam a cada dia mais próximos do lugar onde viviam aquelas pessoas, entretanto, parecia invisível aos seus olhos.
Os responsáveis responderam aos sobreviventes que procuravam por seus parentes, que após uma minuciosa busca, não haviam encontrado nenhuma pista do vilarejo.
No entanto, durante as noites frias de inverno era possível sentir um aroma que se espalhava por todas as montanhas da região. Aquele povoado passou a viver em plena harmonia, pois descobriram um lugar onde Deus levou a paz e a oportunidade de conhecer um fruto milagroso, que salvou muitas vidas e ainda hoje é pouco explorado por falta de conhecimento, que é o Pinhão, o bendito fruto das araucárias.




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