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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

SEGREDOS DO CASARÃO



Mais um dia. A nossa cidade estava reluzente. As ruas arborizadas e o sol iluminava com todo seu esplendor. A admiração por esta maravilha era interrompida pelo barulho da reforma do velho casarão na praça, onde várias lojas estavam sendo montadas. Mesmo antes do término do casarão, um homem ainda jovem, de aproximadamente 35 anos, apressou-se em alugar uma sala, que ficava de frente para a rua. Para surpresa de todos, colocou um letreiro informando a finalidade da loja com letras enormes.
 “S A P A T A R I A”.
Seu nome é Zeca. Teve o cuidado de decorar a sapataria com estilo antigo. Ornamentou com um grande relógio de parede, preparou a bigorna, cola, avental de couro. Usava um bigodinho, tinha cabelos negros e um olhar marcante. A desconfiança das pessoas da cidade foi superada pela amizade que rapidamente conquistou junto aos moradores. Em menos de um ano de instalação já era o mais querido comerciante da praça. Dizem que certa tarde a senhora Bonfá chegou à sapataria com grande dificuldade e começou a reclamar da vida. Lamentava que tinha que ser internada, mas não tinha condições, nem convênio médico, para tratar do seu grave problema de circulação. Zeca a ouvia pacientemente e após consertar a sua sandália levou-a até a sua casa. Durante a caminhada confortou-a dizendo que ficasse tranquila, pois tudo seria resolvido.
Para a surpresa de todos,  um concurso de uma rádio local, presenteou dona Bonfá com um internamento e tratamento médico, o qual curou-a definitivamente. O velho Mané também foi agraciado, após se queixar com o sapateiro, conseguiu o emprego que tanto desejava numa das filiais da Petrobrás. A turma do morro, frequentadores assíduos da sapataria, reclamava da falta de água, de luz, esgoto e asfalto. Não demorou muito, o governo Federal aprovou uma verba, para o saneamento básico daquela região, pois esta faria parte de um circuito turístico que a cidade fora contemplada para fazer parte.
Dona Celina, a mulher mais idosa do bairro ,dizem que ela tem 90, 93, 95 anos, na verdade nunca se questionou a idade daquela senhora, reparou que os sapatinhos de seus netinhos precisavam de conserto e decidiu levá-los a sapataria. Apesar de sua idade, caminhava firme, atravessou as ruas cautelosamente e chegou à praça de onde podia avistar o casarão todo reformado. Parou, observou, e percebeu que alguma coisa lhe chamava atenção. Notou que a decoração da sapataria era semelhante a uma que frequentava quando criança. Teve a oportunidade de lembrar de seus pais, de seus irmãos, principalmente de seu irmão caçula, que há mais de sessenta anos não via, nunca tivera informações ou mesmo notícias sobre ele.
Com tantas lembranças passou a caminhar mais lentamente. Na verdade se deliciava com tantas recordações maravilhosas. Seu coração disparou quando viu aquele homem que veio recebê-la... Mas era o mesmo rapaz?!...Era idêntico ao sapateiro que tinha em sua mente, como podia ser? Seria ele o bisneto do velho sapateiro que trabalhava em sua cidade quando era criança? Zeca a recebe com atenção. A princípio um pouco tenso, mas respira fundo e dando-lhe um sorriso a cumprimenta:
- Olá Nina!
Era assim que a chamavam quando criança.
- Como sabe o meu apelido?
- Eu sei tudo. Sei também onde está seu irmão. Bateu-lhe um certo desespero misturado a ansiedade. Dona Celina segurou-lhe as mãos e implorava que lhe desse informações sobre seu querido irmão. Zeca pediu que se acalmasse:
- Sente-se. Acalme-se. Vou lhe contar enquanto conserto os sapatinhos de seus netinhos. Dona Celina ouvia atentamente, e logo começou a contar toda a sua história, e sem que ela percebesse narrava situações em que o sapateiro participava. Ao terminar o conserto Zeca pediu que Dona Celina voltasse para a casa, pois teria uma surpresa muito agradável. Quando o carteiro passou, entregou-lhe uma carta de seu irmão, há tanto tempo desaparecido. Dona Celina estava incrédula. Saiu pelas ruas, para tirar informações do sapateiro, só recebia referências maravilhosas sobre ele, que ajudou o prefeito a fechar um grande contrato com empresas para se instalar no município, gerando desta forma muitos empregos. Conseguiu incentivar os moradores a reformarem suas casas e construírem em lugares seguros, longe dos morros, e livres do risco de desabamentos. Escolas para todas as crianças carentes. Vagas para adolescentes em cursos profissionalizantes. Dona Celina ficou encantada. Em sua mente voltou a imagem de infância, lembrou-se que havia tirado uma fotografia em frente a sapataria, que estava guardada em seu baú. Apressou-se e rapidamente voltou para sua casa, procurou até encontrar. Seus olhos não podiam acreditar no que viram. A decoração do casarão da foto era exatamente igual a da sapataria de Zeca. Saiu e foi até lá. Chegando surpreendeu-se ao notar que os detalhes eram os mesmos, a bigorna, a cola, o avental pendurado no mesmo lugar. Um calendário de 1907, o relógio de parede, os móveis, a banqueta. Tudo igual. Olhava para a fotografia e falava admirada:
- Não sei como você consegue? Sabe quando éramos pequenos, meu pai já estava muito doente, com tuberculose... Antes mesmo que Dona Celina terminasse de falar, Zeca segurou-lhe nas mãos e disse:
- Eu sei Nina! Você entrou por esta porta e chorava dizendo que seu pai iria morrer, e que vocês ficariam desamparados. Apesar dos exames da época, os médicos tiveram que reconhecer que haviam errado no diagnóstico, pois não passava de uma gripe forte.
- Foi você, não foi? Não é possível, ele estava á beira da morte, de repente, sarou e cuidou de toda a família, como se nada tivesse acontecido.
- Sim Nina, fui eu. Por alguma razão fui escolhido para viver assim. Há séculos ando pelo mundo como sapateiro, ajudando a todos que me procuram. Fico em cada lugar até que os moradores comecem a desconfiar de alguma coisa, porque eles envelhecem e eu permaneço jovem. Então este é o sinal que chegou a hora de mudar de lugar e recomeçar. Esta é minha missão. Dona Celina levantou-se e disse
- Agradeço a Deus por esta oportunidade, pois assim que meu pai melhorou, o senhor partiu, e pedi a Deus que não me deixasse morrer sem antes agradecer àquele que fora o motivo de sua cura.
Agora sei do seu segredo, e sei que irás partir, pois já ouço rumores que o senhor mantêm-se muito jovem desde que chegou aqui.



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