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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O VESTIDO


1900. A família Chaib chega ao Brasil e instala-se numa conhecida rua do Brás. Ali montaram uma confecção de roupas femininas, onde a esposa e os filhos tornaram-se funcionários da loja. Trabalhavam de sol a sol para o crescimento de sua pequena fábrica. Aos sábados iam á Sinagoga. As mulheres usavam roupas compridas de cores escuras e lenços na cabeça. Os homens de ternos pretos. Para diferenciar-se dos demais comerciantes Sr. Chaib mandou construir sobre a marquise da loja uma vitrine de alvenaria com vidros aparente e vestiu um manequim com o primeiro vestido ali confeccionado. Impermeabilizou-o com um produto trazido do velho continente para sua conservação. O modelo trazia um tecido fino de cor ousada. Longo e decotado, sem alças e bem acinturado, com luvas de meio punho. Este serviu de modelo para muitas moças, que desfilavam em festas com grande estilo.
Aproximadamente a cada dez anos a loja passava por reformas, mas em nenhum momento Sr. Chaib permitia que tocassem na vitrine, pois a mesma tornara-se um marco, passando até mesmo a ser um ponto turístico, levando seu comércio a crescer continuamente. Com o passar das décadas, a loja ganhou novo aspecto, apesar do vestido exposto na vitrine estar obsoleto, ainda o mantinha como seu layout, tornando-se o símbolo, a marca da empresa.
1960. A moda muda totalmente, no comprimento dos vestidos, nos tecidos, na qualidade, mas ainda assim, aquele vestido continuava sendo o marco de seu negócio.
1970. Após novos investimentos, as filiais chegaram a outros bairros, gerenciadas pelos netos. A loja matriz também se transforma, nem parecia a mesma casa construída no início do século. Os novos administradores não ousavam tocar na vitrine. Esporadicamente faziam a limpeza dos vidros, deixando-os sempre com aspecto de novos.
1980 o bisneto mais velho de Sr. Chaib iniciou seus estudos a fim de se preparar para assumir os negócios. Dez anos depois, Adib após concluir seu doutorado em administração, assume a empresa. Sua primeira atitude fora solicitar a demolição da vitrine, pois com seu conhecimento acadêmico considerava aquele símbolo ultrapassado. Não combinava mais com o novo estilo da loja. Muitos tentaram impedir que a derrubasse, mas Adib não deu ouvidos, e aquela vitrine tão estimada por muitos chegava ao fim. Ordenou que guardassem o vestido, que estava perfeito. Sua cor continuava viva. Adib sentia-se aliviado por não ver mais a velha vitrine.
Na manhã seguinte ao chegar na loja, levou um susto, olhou para cima e viu a vitrine com o vestido no mesmo lugar, como se não tivessem a tirado dali. Ficou indignado com tamanha ousadia, quem o teria desobedecido? Novamente ordenou a demolição da vitrine, os funcionários envolvidos demonstravam contrariedade, mas obedeceram, e foram obrigados a cortar o vestido. Ao amanhecer Adib voltou na loja, e não acreditou no que viu, estava surpreso. Lá estava a vitrine intacta novamente, e o vestido que mandara picotar, estava no manequim como antes. Ficou transtornado, pois ele mesmo viu quando iniciaram o trabalho de demolição. Decidiu ver de perto o que estaria acontecendo.
Naquela madrugada descobriria quem estaria lhe enfrentando. Ordenou novamente que a derrubassem e sumissem com o vestido.  Meia noite, a rua estava deserta. Adib aguardava sem saber o quê, e nem a quem. Aproximadamente 01:00 hora da manhã, ouviu barulho, eram vozes. Viu a certa distância um grupo de pessoas, aproximando-se da loja, os homens estavam trajados com ternos pretos, as mulheres com vestidos compridos de cores escuras e lenços na cabeça. Traziam ferramentas, vidros, e objetos de costura. Viu quando eles entraram na loja e rapidamente reconstruíam a vitrine, as mulheres costuravam o vestido cuidadosamente.
Adib tentava sair do lugar onde estava, mas não conseguia, parecia estar imobilizado. O tempo a sua volta passava muito rápido, queria falar, mas também não conseguia. Assim que a vitrine estava erguida, Adib conseguiu se mover e correu em direção àquelas pessoas que partiam e aos gritos questionou-os como ousavam mexer em sua propriedade? Todos pararam olhando-o fixamente, uma senhora tomou a frente e respondeu-lhe que aquela vitrine era a responsável pelo sucesso da loja  e que a ele fora dado a missão de preservá-la, disse-lhe ainda que não se constrói um futuro sem dar o devido valor ao passado.
 Adib naquele momento reconheceu os rostos daquelas pessoas. Surpreso percebeu que eram os mesmos dos retratos espalhados pelo escritório, eram os fundadores da loja, eram seus familiares, que ainda estavam ao seu lado, lutando para manter aquele patrimônio e a família unida.


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