Toda manhã antes do alvorecer levantava-me com alguma dificuldade. Arrastava
o meu ursinho de pelúcia pelo chão e seguia em direção da janela da sala para observar
Lino na varanda de sua casa, sentado em sua cadeira de balanço. Eu tinha seis e
ele cinco anos. Lino era diferente, vivia excepcionalmente em seu próprio
mundo. Sua mãe o abandonou assim que percebeu seu problema, seu pai desiludido da
vida desapareceu, e dona Lídia, sua avó, assumiu a dolorosa missão de cuidar dele.
A assistência médica governamental não amparava esta especialidade,
obrigando a persistente mulher a administrar a criação do menino com os
minguados recursos de sua aposentadoria. O diagnóstico médico traçava um futuro
sombrio para Lino. Como não havia escolas públicas especiais, ele passava os
dias em casa, isolado em seu mundo.
Diariamente antes do amanhecer dona Lídia levava-o para o alpendre da
casa. Sentava-o numa cadeira de balanço onde permanecia horas e horas com olhos
fixos no horizonte. Lino firmava os olhos no céu
e admirava o despertar do dia. Esta harmonia era interrompida com um murmúrio
contínuo e constante que chegava a ser irritante.
-“hummmmmmmmmmmm...........hummmmmmmmmmmmmmm.....”.
Meu pai dizia que esta era uma forma que ele encontrava de se comunicar
com o mundo exterior. Lino murmurava num sincronizado vai e vem levando seu
corpo na cadeira de balanço para frente e para traz. Parecia estar desligado ao
que acontecia a seu redor. Esta rotina se estendia noite á dentro. Lino olhava
fixamente para o céu observando as
estrelas e os planetas que brilhavam no firmamento. Às vezes era possível
observar em seus lábios um sorriso, como se pudesse estar olhando alguma coisa
que eu não tinha conhecimento suficiente
para entender.
Lino não frequentava escola, no entanto, a turma do colégio o conhecia e
se reunia em frente ao portão de sua casa para vê-lo. Era um espetáculo
deprimente, entre uma brincadeira e outra debochávamos do pequeno Lino, que sem entender as
brincadeiras ficava agitado, balançava sua cadeira com tanta violência parecendo que ia tombá-la.
O seu murmúrio passava a ter um som diferente mais agudo, assustador e com muita intensidade...
“Hummmmmmmmmmmm.........hummmmmmmmmmmmmmmm...hummmmm hummmmmmmmmmmm.
Meus colegas sem compreender o drama de Lino riam achando engraçado
aquela reação. Apesar de não concordar com eles, eu não era capaz de impedir
tal comportamento, e algumas vezes para não ficar mal com a turma, mesmo que
intimamente contrariado liderava algumas brincadeiras, jogando
bolinhas de papel, fazendo caretas e correndo em sua direção como se fossemos
agredi-lo, mas tudo não passava de arroubos
da puberdade, e quando o silêncio tomava conta do meu quarto eu sempre
me arrependia.
Alguns anos se passaram. Com a adolescência eu amadureci. Apesar de já
pensar em outras coisas, queria curtir a vida. Na ânsia de conhecer novos
horizontes, libertei-me das influências de meus colegas. Lino estava com treze anos e seu ritual
continuava o mesmo.
Numa tarde quando retornava da escola
tive o ímpeto de me aproximar, queria conhecer de perto o mundo que ele vivia.
Meu coração pulsava descompassadamente. Cheguei a frente de seu portão, timidamente
ergui meus olhos e o vi sentado em sua cadeira de balanço murmurando e
balançando em seu ritmo sincronizado.
- “ Hummmmmmmmmmmm, hummmmmmmmmm....................,”
Tive a certeza que eu não prolongaria mais meu desejo de comunicar-me.
Entrei e deixei minha mochila num canto do alpendre. Tive receio de assustá-lo.
Lino não notou minha presença e continuava em seu mundo particular. Estava
sozinho, sua avó andava ocupada com seus afazeres domésticos. Sentei-me a seu
lado na cadeira de balanço de dona Lídia e comecei a refletir: “Há quanto tempo
Lino estaria ali”? Quanto tempo teria passado? Como seria viver isolado? Como
poderia viver deixando de aproveitar tudo que a vida pode oferecer? Meu Deus
ele nunca correu pelo quintal, nunca jogou bola, brincou de pega-pega, esconde-esconde,
não viajou , nunca namorou não sabe o
que é o amor.
Observando-o e absorvido em meus pensamentos impulsionei a cadeira e num
bailado e num vai e vem e iniciei o mesmo murmúrio...
- “ Hummmmmmmmmmm, hummmmmmmmmmmmm”.
Com meus olhos fechados, como se estivesse entrando num estado de hipnose,
senti uma leve brisa que acariciou meu rosto. Um arrepio tomou conta de meu
corpo, uma sublime leveza invadiu meu
ser acompanhado de um breve silêncio.
Envolvido por um estado embriagador tentei evitar, mas uma força estranha
obrigou-me a abrir os olhos. Impressionado
emudeci. O que jamais imaginei estava acontecendo. Lino de pé ao meu lado,
sereno, estendia sua mão cumprimentando-me como se fossemos velhos
amigos, com voz firme, porém suave,
disse-me:
- Não tenha medo. Sou seu amigo. Agora
estamos juntos.
Foi impossível controlar minha emoção. Dos meus olhos uma lágrima caiu.
Lino havia deixado seu estado de inércia e
conduzia-me para o seu mundo esbanjando conhecimentos. Relembramos nossa infância, das
vezes que eu ficava o observando pelas frestas da janela de minha sala. Lino
comentou que sentia-se bem todas as vezes que reuníamos em frente sua casa, e ficávamos
brincando com bolinhas de papel, fazendo caretas, dando gargalhadas. Agradeceu
nossa solidariedade.
- Que pena que vieram tão poucas vezes. Sempre esperava que viessem. Mas
agora você está aqui, meu amigo.
Suas palavras eram intensas, carregadas de emoção. Poder ouvi-lo era tudo
que eu mais queria. Lino não queria perder tempo e dizia que quando voltasse teria
condições de ajudar muita gente.
Eu não conseguia entender do que estava falando. Ele não dava tempo para que eu o questionasse,
mesmo assim numa atitude deselegante manifestei-me:
- Do que você está falando? Voltar de onde? Você já está aqui e agora
pode se comunicar com o mundo e viver sua vida como nunca. Lino respirou fundo, desculpou-se por sua falta de
sensibilidade por não deixar-me falar e concluiu:
- Eu vou partir. Vou com eles e um
dia retornarei com informações que compartilharei com a humanidade.
- Lino
não estou entendendo!
Você vai com quem? E para onde?
- Meu amigo desde pequeno eu tenho a mesma visão e o poder de
comunicar-me com seres de outros planetas e numa de suas visitas avisaram que
quando eu completasse quatorze anos viriam me buscar. Neste dia uma luz dourada
rasgará o céu deixando um rastro pelas estrelas, como o brilho do sol refletirá todo seu esplendor.
Desta luz surgirá uma nave dourada com janelas escuras e luzes brilhantes
que piscarão sem parar. Esta mesma nave
pousará ao amanhecer e eu serei o seu principal passageiro. Terei a missão de viajar
pelas estrelas com objetivo de aprender, adquirir conhecimentos, cultura, e retornar ao
nosso planeta trazendo aos homens a sabedoria que Deus implantou no universo.
- Lino deixe disso. Tentei demovê-lo de seu delírio.
- Amigo...Acredite...Existe mesmo disco voador. Que é o transporte de um povo
inteligente que irão nos trazer a paz e o amor. Se for para o bem da humanidade,
veja que felicidade esta intervenção. Aqui na terra só se pensa em guerra,
matar o vizinho é nossa intenção.
Lino empolgado levantou-se da
cadeira de balanço mais uma vez. Pude notar o seu esplendor. Fisicamente perfeito
e dono da situação, levantou os braços olhando para o céu, e com gesto sutil impediu que eu o interrompesse com minha descrença e
trazendo-me a realidade continuou.
Amigo, se Deus que é todo poderoso fez este colosso suspenso no ar, porque
não pode ter criado um mundo apartado da terra e do mar... Tem gente que não
acredita, acha que é fita os mistérios profundos, quem tem um filho, pode ter
mais filhos, o Senhor também pode ter outros mundos.
E continuando seu discurso, respirou fundo e calmamente com palavras
sóbrias continuou...
- Na visão da sociedade a minha
falta de comunicação com este mundo é uma deficiência, a solução está tão perto
de ser descoberto pela ciência, porém em vez de fabricar remédios para curar o
tédio e outras doenças, preferem inventar armas atômicas, mísseis teleguiados,
armas químicas e de hidrogênio, usam seu gênio fabricando bombas. Os homens de
nosso planeta dão à impressão que já não tem mais crença, mas, por mais que cresçam, perante Deus qualquer
gigante tomba.
- Suas palavras tocaram-me profundamente. Aquele jovem de mundo distante
estava ali me evangelizando. A coerência de suas palavras fazia com que o
admirasse ainda mais. Lino sentou-se com movimento suave e disse:
- Amigo, o nosso mundo é um espelho que reflete a realidade. Quem forma vinha
colhe uva e quem planta chuva colhe tempestade. Tudo o que não presta neste
mundo morre por si mesmo. Quando eu voltar terei informações suficientes para
conduzir os homens a mudarem seus
comportamentos objetivando-os a mudar
para um mundo melhor.
Sentado em sua cadeira de balanço,
Lino foi encostando, olhando em meus olhos agradeceu-me pela tarde maravilhosa.
- Num futuro breve teremos a oportunidade de nos comunicarmos outra vez.
Fechou os olhos e no seu habitual vai e vem sincronizado deu início a seu
murmúrio:
- “ Huuuuuuuuuuuuuuuuu,hummmmmmmmmmmm,
hummmmmmmmmmmmm”
Lino lentamente foi se desligando de nosso mundo, retornando a sua condição
anterior. Levantei-me desesperadamente e tentei comunicar-me mas foi em vão. Lino estava
novamente em seu mundo particular. Naquela tarde fui agraciado por Deus que permitiu
que por alguns instantes eu tivesse com ele. Teria sido um sonho? A certeza da
realidade me convencia.
A partir de então passei a ver o
mundo de forma diferente. Todas as tardes sentava-me com ele e ficávamos horas
juntos, embora não mais tivesse tido a oportunidade de participar de seu mundo
particular.
Na manhã de 21 de setembro acordei ansioso. Era o dia do aniversário de Lino,
completava 14 anos. Caminhei até minha janela e vi a dona Lídia conduzindo-o até sua cadeira de balanço. Ele estava
diferente, muito elegante. Trajava um terno escuro, camisa branca e gravata
vermelha. Seria um dia especial. Lino estava como nunca o havia visto antes. Concentrado,
não tirava os olhos do céu.
Um clarão surgiu no horizonte. Meus olhos ofuscaram. Corri para abrir a
porta e sai. Vi Lino se levantando e andando em direção àquela luz. Sua avó
rezando o abençoava.
Lino caminhou alguns passos, virou-se em minha direção e abriu um sorriso.
Ergueu sua mão direita e acenou. Entrei em desespero e comecei a correr para
tentar impedi-lo de partir. Ele, com voz firme disse:
- Fique tranquilo amigo, eu voltarei.
Meu corpo ficou paralisado, como se estivesse preso num campo de força, não
consegui me mover. Naquele momento convenci-me que naquele dia vivi alguns minutos em seu mundo. Lino lentamente foi sendo envolvido pela luz
até desaparecer completamente.
Pude ficar muito próximo daquele objeto. Era uma nave, na verdade, um disco
voador, dourado com janelas escuras e luzes brilhantes que piscavam sem parar,
exatamente como ele havia descrito. A nave levantou voou e na velocidade da luz
rasgou o céu, em fração de segundos
desapareceu. Comecei a chorar. Fiquei desorientado, neste momento senti uma mão
em meus ombros acariciando-me, era a doce vovó Lídia dizendo-me:
- Meu filho, fique tranquilo, o caminho de rumos incertos do meu menino chegou
ao fim. Quando Lino retornar será um homem feito, como tantos outros que retornaram.
Ele voltara com a missão de melhorar nosso planeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário