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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

DISCO VOADOR




Toda manhã antes do alvorecer levantava-me com alguma dificuldade. Arrastava o meu ursinho de pelúcia pelo chão e seguia em direção da janela da sala para observar Lino na varanda de sua casa, sentado em sua cadeira de balanço. Eu tinha seis e ele cinco anos. Lino era diferente, vivia excepcionalmente em seu próprio mundo. Sua mãe o abandonou assim que percebeu seu problema, seu pai desiludido da vida desapareceu, e dona Lídia, sua avó, assumiu a dolorosa missão de cuidar dele.
A assistência médica governamental não amparava esta especialidade, obrigando a persistente mulher a administrar a criação do menino com os minguados recursos de sua aposentadoria. O diagnóstico médico traçava um futuro sombrio para Lino. Como não havia escolas públicas especiais, ele passava os dias em casa, isolado em seu mundo.                      
Diariamente antes do amanhecer dona Lídia levava-o para o alpendre da casa. Sentava-o numa cadeira de balanço onde permanecia horas e horas com olhos fixos no horizonte. Lino firmava os olhos no céu e admirava o despertar do dia. Esta harmonia era interrompida com um murmúrio contínuo e constante que chegava a ser irritante.
-“hummmmmmmmmmmm...........hummmmmmmmmmmmmmm.....”.
Meu pai dizia que esta era uma forma que ele encontrava de se comunicar com o mundo exterior. Lino murmurava num sincronizado vai e vem levando seu corpo na cadeira de balanço para frente e para traz. Parecia estar desligado ao que acontecia a seu redor. Esta rotina se estendia noite á dentro. Lino olhava fixamente para o céu  observando as estrelas e os planetas que brilhavam no firmamento. Às vezes era possível observar em seus lábios um sorriso, como se pudesse estar olhando alguma coisa que eu não  tinha conhecimento suficiente para entender.
Lino não frequentava escola, no entanto, a turma do colégio o conhecia e se reunia em frente ao portão de sua casa para vê-lo. Era um espetáculo deprimente, entre uma brincadeira e outra debochávamos  do pequeno Lino, que sem entender as brincadeiras ficava agitado, balançava sua cadeira  com tanta violência parecendo que ia tombá-la. O seu murmúrio passava a ter um som diferente mais  agudo, assustador  e com muita  intensidade...
“Hummmmmmmmmmmm.........hummmmmmmmmmmmmmmm...hummmmm hummmmmmmmmmmm.

Meus colegas sem compreender o drama de Lino riam achando engraçado aquela reação. Apesar de não concordar com eles, eu não era capaz de impedir tal comportamento, e algumas vezes para não ficar mal com a turma, mesmo que intimamente  contrariado  liderava algumas brincadeiras, jogando bolinhas de papel, fazendo caretas e correndo em sua direção como se fossemos agredi-lo, mas tudo não passava de arroubos  da puberdade, e quando o silêncio tomava conta do meu quarto eu sempre me arrependia.
Alguns anos se passaram. Com a adolescência eu amadureci. Apesar de já pensar em outras coisas, queria curtir a vida. Na ânsia de conhecer novos horizontes, libertei-me das influências de meus colegas.  Lino estava com treze anos e seu ritual continuava o mesmo.
 Numa tarde quando retornava da escola tive o ímpeto de me aproximar, queria conhecer de perto o mundo que ele vivia.
Meu coração pulsava descompassadamente. Cheguei a frente de seu portão, timidamente ergui meus olhos e o vi sentado em sua cadeira de balanço murmurando e balançando em seu ritmo sincronizado.
- “ Hummmmmmmmmmmm, hummmmmmmmmm....................,”
Tive a certeza que eu não prolongaria mais meu desejo de comunicar-me. Entrei e deixei minha mochila num canto do alpendre. Tive receio de assustá-lo. Lino não notou minha presença e continuava em seu mundo particular. Estava sozinho, sua avó andava ocupada com seus afazeres domésticos. Sentei-me a seu lado na cadeira de balanço de dona Lídia e comecei a refletir: “Há quanto tempo Lino estaria ali”? Quanto tempo teria passado? Como seria viver isolado? Como poderia viver deixando de aproveitar tudo que a vida pode oferecer? Meu Deus ele nunca correu pelo quintal, nunca jogou bola, brincou de pega-pega, esconde-esconde, não  viajou , nunca namorou não sabe o que é o amor.

Observando-o e absorvido em meus pensamentos impulsionei a cadeira e num bailado e num vai e vem e iniciei o mesmo murmúrio...
- “ Hummmmmmmmmmm, hummmmmmmmmmmmm”.
Com meus olhos fechados, como se estivesse entrando num estado de hipnose, senti uma leve brisa que acariciou meu rosto. Um arrepio tomou conta de meu corpo, uma sublime leveza  invadiu meu ser acompanhado de um breve silêncio.
Envolvido por um estado embriagador tentei evitar, mas uma força estranha obrigou-me a  abrir os olhos. Impressionado emudeci. O que jamais imaginei estava acontecendo. Lino de pé ao meu lado, sereno, estendia sua mão  cumprimentando-me como se fossemos velhos amigos,  com voz firme, porém suave, disse-me:
- Não tenha medo. Sou seu amigo. Agora  estamos juntos.
Foi impossível controlar minha emoção. Dos meus olhos uma lágrima caiu. Lino havia deixado seu estado de inércia e conduzia-me para o seu mundo esbanjando  conhecimentos. Relembramos nossa infância, das vezes que eu ficava o observando pelas frestas da janela de minha sala. Lino comentou que sentia-se bem todas as vezes que reuníamos em frente sua casa, e ficávamos brincando com bolinhas de papel, fazendo caretas, dando gargalhadas. Agradeceu nossa solidariedade.
- Que pena que vieram tão poucas vezes. Sempre esperava que viessem. Mas agora você está aqui, meu amigo.
Suas palavras eram intensas, carregadas de emoção. Poder ouvi-lo era tudo que eu mais queria. Lino não queria perder tempo e dizia que quando voltasse teria condições de ajudar muita gente.
Eu não conseguia entender do que estava falando.  Ele não dava tempo para que eu o questionasse, mesmo assim numa atitude deselegante manifestei-me:
- Do que você está falando? Voltar de onde? Você já está aqui e agora pode se comunicar com o mundo e viver sua vida como nunca. Lino respirou  fundo, desculpou-se por sua falta de sensibilidade por não deixar-me falar e concluiu:
-  Eu vou partir. Vou com eles e um dia retornarei com informações que compartilharei com a humanidade.
- Lino,porerava que viessemiamos o, Linourtir a vida, conhecer novos horizontes, c não estou entendendo! Você vai com quem? E para onde?
- Meu amigo desde pequeno eu tenho a mesma visão e o poder de comunicar-me com seres de outros planetas e numa de suas visitas avisaram que quando eu completasse quatorze anos viriam me buscar. Neste dia uma luz dourada rasgará o céu deixando um rastro pelas estrelas,  como o brilho do sol refletirá todo  seu esplendor.
Desta luz surgirá uma nave dourada com janelas escuras e luzes brilhantes que piscarão  sem parar. Esta mesma nave pousará ao amanhecer e eu serei o seu principal passageiro. Terei a missão de viajar pelas estrelas com objetivo de aprender, adquirir conhecimentos, cultura,  e retornar ao nosso planeta trazendo aos homens a sabedoria que Deus implantou no universo.
- Lino deixe disso. Tentei demovê-lo de seu delírio.
- Amigo...Acredite...Existe mesmo disco voador. Que é o transporte de um povo inteligente que irão nos trazer a paz e o amor. Se for para o bem da humanidade, veja que felicidade esta intervenção. Aqui na terra só se pensa em guerra, matar o vizinho é nossa intenção.
 Lino empolgado levantou-se da cadeira de balanço mais uma vez. Pude notar o seu esplendor. Fisicamente perfeito e dono da situação, levantou os braços olhando  para o céu, e com gesto sutil impediu  que eu o interrompesse com minha descrença e trazendo-me a realidade continuou.
Amigo, se Deus que é todo poderoso fez este colosso suspenso no ar, porque não pode ter criado um mundo apartado da terra e do mar... Tem gente que não acredita, acha que é fita os mistérios profundos, quem tem um filho, pode ter mais filhos, o Senhor também pode ter outros mundos.
E continuando seu discurso, respirou fundo e calmamente com palavras sóbrias  continuou...
- Na visão da sociedade  a minha falta de comunicação com este mundo é uma deficiência, a solução está tão perto de ser descoberto pela ciência, porém em vez de fabricar remédios para curar o tédio e outras doenças, preferem inventar armas atômicas, mísseis teleguiados, armas químicas e de hidrogênio, usam seu gênio fabricando bombas. Os homens de nosso planeta dão à impressão que já não tem mais crença, mas,  por mais que cresçam, perante Deus qualquer gigante tomba.
- Suas palavras tocaram-me profundamente. Aquele jovem de mundo distante estava ali me evangelizando. A coerência de suas palavras fazia com que o admirasse ainda mais. Lino sentou-se com movimento suave e disse:
- Amigo, o nosso mundo é um espelho que reflete a realidade. Quem forma vinha colhe uva e quem planta chuva colhe tempestade. Tudo o que não presta neste mundo morre por si mesmo. Quando eu voltar terei informações suficientes para conduzir os homens  a mudarem seus comportamentos objetivando-os  a mudar para um mundo melhor.
 Sentado em sua cadeira de balanço, Lino foi encostando, olhando em meus olhos agradeceu-me pela tarde maravilhosa.
- Num futuro breve teremos a oportunidade de nos comunicarmos outra vez.
Fechou os olhos e no seu habitual vai e vem sincronizado deu início a seu murmúrio:
- “ Huuuuuuuuuuuuuuuuu,hummmmmmmmmmmm,
hummmmmmmmmmmmm”
Lino lentamente foi se desligando  de nosso mundo, retornando a sua condição anterior.  Levantei-me desesperadamente  e tentei comunicar-me mas foi em vão. Lino estava novamente em seu mundo particular. Naquela tarde fui agraciado por Deus que permitiu que por alguns instantes eu tivesse com ele. Teria sido um sonho? A certeza da realidade me convencia.
 A partir de então passei a ver o mundo de forma diferente. Todas as tardes sentava-me com ele e ficávamos horas juntos, embora não mais tivesse tido a oportunidade de participar de seu mundo particular.
Na manhã de 21 de setembro acordei ansioso. Era o dia do aniversário de Lino, completava 14 anos. Caminhei até minha janela e vi a dona Lídia  conduzindo-o  até sua cadeira de balanço. Ele estava diferente, muito elegante. Trajava um terno escuro, camisa branca e gravata vermelha. Seria um dia especial. Lino estava como nunca o havia visto antes. Concentrado, não tirava os olhos do céu.
Um clarão surgiu no horizonte. Meus olhos ofuscaram. Corri para abrir a porta e sai. Vi Lino se levantando e andando em direção àquela luz. Sua avó rezando o abençoava.

Lino caminhou alguns passos,  virou-se em minha direção e abriu um sorriso. Ergueu sua mão direita e acenou. Entrei em desespero e comecei a correr para tentar impedi-lo de partir. Ele, com voz firme disse:
- Fique tranquilo amigo, eu voltarei.
Meu corpo ficou paralisado, como se estivesse preso num campo de força, não consegui me mover. Naquele momento convenci-me que naquele dia vivi  alguns minutos em seu mundo.  Lino lentamente foi sendo envolvido pela luz até desaparecer completamente.
Pude ficar muito próximo daquele objeto. Era uma nave, na verdade, um disco voador, dourado com janelas escuras e luzes brilhantes que piscavam sem parar, exatamente como ele havia descrito. A nave levantou voou e na velocidade da luz   rasgou o céu, em fração de segundos desapareceu. Comecei a chorar. Fiquei desorientado, neste momento senti uma mão em meus ombros acariciando-me, era a doce vovó Lídia dizendo-me:
- Meu filho, fique tranquilo, o caminho de rumos incertos do meu menino chegou ao fim. Quando Lino retornar será um homem feito, como tantos outros que retornaram. Ele voltara com a missão de melhorar nosso planeta.         



       

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