Durante o século 20 uma grande revolução armada ocorreu num dos maiores
países asiáticos. Estas forças tomaram o poder e implantaram o regime
comunista. As leis de direitos humanos foram abolidas; o cidadão teria que
viver somente em função do estado. No novo sistema político era proibido, e
pago com a vida, quem portasse ou possuísse pergaminhos, manuscritos, livros,
revistas ou jornais. Estes foram considerados obscenos, pois contrariavam a
moral e bons costumes, já que levavam as pessoas a viajarem por lugares
impossíveis através da imaginação. Tudo era proibido, a não ser, os livros que
fossem editados pelo novo governo, onde a escrita manipulava a população,
deixando-os alienados ao atual regime.
O povo viu a sua milenar cultura ser destruída pelo fogo, sem nada poder
fazer. Logo a descrença e desinformações surgiram. Os jovens não acreditavam em
nada, somente no que o governo os informava, e em pouco tempo uma nova geração
de adeptos floresceu. Os mais fracos e excluídos criaram seus líderes, entre
eles um velho morador de uma aldeia próxima, muito paciente, atendia a todos
que o procuravam. Tinha longos cabelos e barbas brancas. Era uma figura
carismática e sempre tinha uma palavra de paz e orientação sobre a saúde,
higiene e educação, logo sua popularidade se espalhou pelo país. As pessoas
acreditavam que o velho sábio vinha fazendo milagres, mas na verdade, os
orientava de como utilizar as ervas medicinais, ou sobre qualquer assunto de
economia, medicina, astrologia, ou misticismo. Seu nome passou a ser uma lenda
viva.
O sábio da aldeia morava num casarão enorme herdado de sua família.
Adquiriu credibilidade até com os soldados fiéis do governo, pois
constantemente era visitado por eles á procura de informações para solução de
problemas. O governo se incomodava com a constante intervenção do sábio, porém
para evitar uma convulsão social fazia vistas grossas, pois acreditavam que ele
não viveria por muito tempo. O regime cruel tirava das famílias os filhos
homens, ainda bebês, para fazer parte do exército no futuro, e aos 08 anos de
idade era feito uma avaliação. Os que não conseguissem uma média aceitável eram
dispensados e abandonados pelas ruas para viverem a própria sorte. O sábio
preocupado com o futuro de seu povo saiu pelas ruas e sem muito critério
escolheu 100 meninos.
Estas crianças enquanto enclausurados, sobre o domínio dos militares,
aprenderam a ler e escrever. O sábio levou-os para o casarão. Após algum tempo
adquiriu a confiança de todos, e sobre a promessa de um pacto de silêncio,
repassaria todo seu conhecimento. Levou-os até um grande porão, através de uma
passagem secreta, disfarçada de parede ornamentada com um grande relógio, onde
os meninos ficaram deslumbrados ao encontrarem centenas de livros, ali
guardados há muitos anos, todos cuidadosamente numerados por assunto sobre as
prateleiras, envoltos com um plástico transparente para protegê-los da ação do
tempo.
Os livros abordavam assuntos sobre biologia, matemática, filosofia, entre
milhares de temas. O sábio pacientemente pedia silêncio á seus discípulos, e
com alguma dificuldade relatou como conseguira aquele acervo. Contou-lhes que
aproveitou os descuidos da polícia nos primeiros meses da revolução e visitou
bibliotecas que ficaram completamente abandonadas. Conseguiu transferir para
sua casa, os livros que poderiam trazer algum benefício para o futuro de seu
povo.
Em pouco tempo possuía uma das melhores bibliotecas do mundo, pois
selecionou os autores e um dos mais diversificados acervos de informações
jamais vista. Passou anos naquele porão,
lendo e adquirindo cultura. Através dos livros conheceu países, planetas, a
dinâmica do corpo humano e personalidades. Obteve tantas informações que
decidiu repartir com o seu povo, na esperança que um dia, todos reunidos,
pudessem recuperar a liberdade. O povo acreditava que o sábio recebia
inspirações divinas, e para não levantar suspeitas ele aceitou essa condição.
No entanto, já tinha idade avançada. Necessitava repassar seus conhecimentos e
criar novos sábios que pudessem levar a população a cultura de seus
antepassados e terem consciência daquele poder autoritário.
Os meninos encantados aceitaram o desafio, na esperança que um dia também
tivessem informações para dividir com os cidadãos do país. Dedicaram-se
diariamente. Liam tudo que podiam, sobre diversos assuntos. Viveram em mundos
diferentes. Ávidos por mais informações, não perceberam que o tempo passava
depressa. O sábio adoentado parecia aguardar o momento certo para partir.
Acompanhava todos os dias o desenvolvimento cultural dos seus discípulos, que
cada vez mais informados, questionavam-no ainda mais, levando o velho sábio a
pesquisar para responder todas as
questões. Os meninos já orientavam as pessoas demonstrando sabedoria e conhecimento.
Assim conquistaram a credibilidade do povo que os conheciam como discípulos do
grande sábio.
Este fato levou os comandantes a convocá-lo a se apresentar na capital,
para um interrogatório. Esta intimação chegou aos ouvidos dos meninos, que
souberam da rigorosa vistoria no casarão a procura de livros. Os meninos se
articularam durante dias para proteger tudo que o velho sábio havia construído.
Dias depois, os militares
acompanhados de um verdadeiro pelotão, dirigiram-se ao casarão. Desconfiados,
vasculharam-no a procura de algo que pudesse incriminar o grande sábio.
Encontraram a passagem secreta, e para surpresa de todos encontraram cem jovens
sentados no chão de mãos dadas, com olhos fechados, como se estivessem
meditando.
Um deles levantou-se e pediu aos soldados que fizessem silêncio, pois ali
era um lugar de concentração, e estavam recebendo os fluídos e energias que
transmitiam sabedoria. Os soldados percorreram todo porão e não encontram nada.
Convencidos que os meninos estavam meditando deixaram o local. O sábio
surpreendeu-se ao ver que todos os livros estavam no porão, não entendeu como
os meninos havia os escondido. Os jovens contaram-lhe que através dos livros
conheceram técnicas e truques de como ocultá-los na floresta, sem que ninguém
pudesse vê-los. Desta forma provaram a seu mestre que praticavam tudo o que
aprenderam nos livros e que buscavam mostrar o caminho da verdade ao seu povo.
Alguns anos se passaram e o velho sábio partiu, mas deixou seus
discípulos e uma verdadeira legião de seguidores. Centenas de sábios foram
espalhados por todo país, levando informações e cultura para os povos. O
casarão foi preservado, considerado pelo governo intocável, sob pena de morte,
para qualquer invasão ou infratores. Os sábios necessitando de respostas a muitas
perguntas dos seus semelhantes, até hoje se reúnem no casarão e desfrutam de
bons momentos, envolvendo-se nas leituras dos livros, a fim de enriquecer ainda
mais seus conhecimentos, seguindo as orientações do grande mestre que sempre
dizia que nunca é tarde para aprender, e
o que sabemos nunca é o suficiente.
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