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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O APAGÃO





Chegamos á tarde em Alvorecer, dia 18 de dezembro. Cidade turística conhecida por suas famosas cascatas e tratamentos com banhos de imersão. Cidadezinha pacata, porém altamente movimentada nos finais de semana, recebendo centenas de turistas vindo de toda parte do Brasil.
Conseguimos reservar um hotel no centro, de onde tínhamos uma ótima visão do Cristo Redentor sempre iluminado. Ao anoitecer a praça ficava toda resplandecente, pois todas as árvores estavam ornamentadas com pequenas lâmpadas coloridas trazendo um clima de Natal. As ruas também receberam iluminação especial. Na rua do comércio havia lindas lojas, todas com suas vitrines decoradas expondo seus produtos para os moradores e principalmente para os turistas. Sr. Cláudio o porteiro do hotel nos informava sobre os pontos turísticos e sobre alguns moradores.
- Aqui na esquina tem uma ótima choperia. Na outra é ponto de encontro dos jovens. Naquele prédio mora o Dr. Dalton dentista da cidade, um solteirão, fica a noite olhando de binóculo para a Dona Márcia do outro lado da praça. Ela é evangélica e recatada, dizem até que é virgem. Ali naquele prédio da esquina, mora uma família enorme, dizem que eles frequentam praias de nudismo. As noites aqui são quentes. Os jovens vêm para praça namorar, enquanto os ciclistas campeões do estado exibem-se para as meninas que desfilam com seus shorts apertadinhos, são mais de 30 rapazes.
Após todos esses comentários subimos para nos preparar para o jantar, e aproveitarmos a noite que prometia ser muito interessante. Por volta das 21:00 hr enquanto secava meus cabelos, olhei pela janela do quarto e pude constatar tudo o que Sr.Cláudio havia comentado. Notei um movimento incrível. Os ônibus que traziam os turistas ainda chegavam com dificuldades para manobrar. Chamei minha prima para ver um "gatinho" de shorts apertadinho olhando para mim. De repente todas as luzes se apagaram. Ouvimos muita gritaria e assobios. Não dava para ver nada. O Cristo Redentor sumiu no blecaute.        
 O tempo estava nublado, a lua escondida contribuía para aumentar a penumbra. Não podíamos sair do hotel, pois os elevadores estavam parados e não conhecíamos as escadas de emergência. Ficamos na janela, os olhos começaram a se acostumar com aquela escuridão, então vimos quando os garotos de bicicletas chegaram na praça em alta velocidade, gritando e fazendo algazarras. Atravessaram a rua sem se preocupar com os cruzamentos da cidade.
Um automóvel tentando seguir seu itinerário foi vítima de uma colisão com vários ciclistas que caíram no chão ao mesmo tempo. O trânsito caótico piorou, pois os outros rapazes desceram de suas bicicletas e começaram a agredir os motoristas.
Não era possível perceber o que estava acontecendo, mas com certeza a turma do “deixa disso” não conseguiu impedir a pancadaria, então a confusão foi geral.
Outros garotos aproveitando o descuido dos motoristas que deixaram seus carros para participar da confusão, roubaram toca-fitas, malas e documentos, e quando perceberam a ação dos meliantes, iniciaram gritos de “pegaladrão”, e o tumulto aumentou. A correria era grande. Muitos entraram pela praça e foram até a rua do comércio às escuras.
Os marginais na tentativa de se livrarem de seus perseguidores, quebraram as vitrines das lojas deixando todas as mercadorias expostas. Os turistas vendo essas facilidades começaram a saquear e correr em várias direções com televisores, vídeos cassetes, ferros á vapor, blusas, calças, e tudo o que era possível pegar e levar. Até um casal de idosos que passeavam tranquilamente de mãos dadas foram flagrados com objetos roubados. A confusão era total.
Aumentando com a atitude de uma família com mais de dez pessoas que aproveitando a situação desceram de seu apartamento completamente nus, e desfilavam na praça como se estivessem numa praia de nudismo. Os camelôs aproveitaram a falta de luz e numa atitude oportunista no meio daquela confusão vendiam velas, lamparinas e lanternas.
O dentista foi flagrado pulando a janela do prédio em frente, com os botões da camisa já abertos, afrouxando o cinto, sendo recebido e agarrado pela jovem evangélica, que a distância parecia estar seminua. O carro da polícia não podia circular. O trânsito parou. Centenas de pessoas corriam de um lado para outro. Os jovens que estavam na choperia invadiam e roubavam cervejas e as distribuíam aleatoriamente, quando não, quebravam as garrafas no asfalto. Uma senhora em estado de choque saiu pela janela do primeiro andar na tentativa de subir para o telhado por uma corda improvisada por pessoas que já se encontravam em cima da marquise do prédio, mas devido ao seu peso, a corda arrebentou e ela caiu sobre as pessoas e teve sérios ferimentos. A ambulância também não conseguia transitar.
Foi um verdadeiro alvoroço. Pessoas machucadas, roubadas, lojas saqueadas, turistas sem poder se mover. O caos tomou conta da cidade. O pânico era total. Ás 23:15 hr a energia voltou. Novamente uma gritaria seguida de um grande silêncio. Envergonhados com suas atitudes as pessoas começaram a sair discretamente.
Os semáforos voltaram a funcionar desobstruindo o trânsito, livrando os automóveis em poucos minutos. As ruas ficaram vazias, todos voltaram para suas casas, e os turistas para seus hotéis. O dentista atravessou a praça e entrou em seu apartamento. A família de nudistas olhava da sacada como se nada tivesse acontecido.
E aqui da janela do hotel, vimos a polícia fazendo uma varredura na cidade e improvisando fitas colorias em frente as lojas saqueadas para protegê-las. As ambulâncias levavam os últimos feridos e o corpo de bombeiros após apagar um princípio de incêndio também se retirou. Ás 24:00 hr tudo estava como antes.

Se não tivéssemos visto, não acreditaríamos que um dia esta cidade tão pacata, passou por tanta violência e confusão por causa de um blecaute.

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