Chegamos
á tarde em Alvorecer, dia 18 de dezembro. Cidade turística conhecida por suas
famosas cascatas e tratamentos com banhos de imersão. Cidadezinha pacata, porém
altamente movimentada nos finais de semana, recebendo centenas de turistas
vindo de toda parte do Brasil.
Conseguimos
reservar um hotel no centro, de onde tínhamos uma ótima visão do Cristo
Redentor sempre iluminado. Ao anoitecer a praça ficava toda resplandecente,
pois todas as árvores estavam ornamentadas com pequenas lâmpadas coloridas
trazendo um clima de Natal. As ruas também receberam iluminação especial. Na
rua do comércio havia lindas lojas, todas com suas vitrines decoradas expondo
seus produtos para os moradores e principalmente para os turistas. Sr. Cláudio
o porteiro do hotel nos informava sobre os pontos turísticos e sobre alguns
moradores.
- Aqui
na esquina tem uma ótima choperia. Na outra é ponto de encontro dos jovens.
Naquele prédio mora o Dr. Dalton dentista da cidade, um solteirão, fica a noite
olhando de binóculo para a Dona Márcia do outro lado da praça. Ela é evangélica
e recatada, dizem até que é virgem. Ali naquele prédio da esquina, mora uma
família enorme, dizem que eles frequentam praias de nudismo. As noites aqui são
quentes. Os jovens vêm para praça namorar, enquanto os ciclistas campeões do
estado exibem-se para as meninas que desfilam com seus shorts apertadinhos, são
mais de 30 rapazes.
Após
todos esses comentários subimos para nos preparar para o jantar, e
aproveitarmos a noite que prometia ser muito interessante. Por volta das 21:00
hr enquanto secava meus cabelos, olhei pela janela do quarto e pude
constatar tudo o que Sr.Cláudio havia comentado. Notei um movimento incrível.
Os ônibus que traziam os turistas ainda chegavam com dificuldades para
manobrar. Chamei minha prima para ver um "gatinho" de shorts apertadinho olhando
para mim. De repente todas as luzes se apagaram. Ouvimos muita gritaria e
assobios. Não dava para ver nada. O Cristo Redentor sumiu no blecaute.
O tempo estava nublado, a lua escondida
contribuía para aumentar a penumbra. Não podíamos sair do hotel, pois os
elevadores estavam parados e não conhecíamos as escadas de emergência. Ficamos
na janela, os olhos começaram a se acostumar com aquela escuridão, então vimos
quando os garotos de bicicletas chegaram na praça em alta velocidade, gritando
e fazendo algazarras. Atravessaram a rua sem se preocupar com os cruzamentos da
cidade.
Um
automóvel tentando seguir seu itinerário foi vítima de uma colisão com vários
ciclistas que caíram no chão ao mesmo tempo. O trânsito caótico piorou, pois os
outros rapazes desceram de suas bicicletas e começaram a agredir os motoristas.
Não era
possível perceber o que estava acontecendo, mas com certeza a turma do “deixa
disso” não conseguiu impedir a pancadaria, então a confusão foi geral.
Outros
garotos aproveitando o descuido dos motoristas que deixaram seus carros para
participar da confusão, roubaram toca-fitas, malas e documentos, e quando
perceberam a ação dos meliantes, iniciaram gritos de “pegaladrão”, e o tumulto
aumentou. A correria era grande. Muitos entraram pela praça e foram até a rua
do comércio às escuras.
Os marginais na tentativa
de se livrarem de seus perseguidores, quebraram as vitrines das lojas deixando
todas as mercadorias expostas. Os turistas vendo essas facilidades começaram a
saquear e correr em várias direções com televisores, vídeos cassetes, ferros á
vapor, blusas, calças, e tudo o que era possível pegar e levar. Até um casal de
idosos que passeavam tranquilamente de mãos dadas foram flagrados com objetos
roubados. A confusão era total.
Aumentando
com a atitude de uma família com mais de dez pessoas que aproveitando a
situação desceram de seu apartamento completamente nus, e desfilavam na praça
como se estivessem numa praia de nudismo. Os camelôs aproveitaram a falta de
luz e numa atitude oportunista no meio daquela confusão vendiam velas,
lamparinas e lanternas.
O
dentista foi flagrado pulando a janela do prédio em frente, com os botões da
camisa já abertos, afrouxando o cinto, sendo recebido e agarrado pela jovem
evangélica, que a distância parecia estar seminua. O carro da polícia não
podia circular. O trânsito parou. Centenas de pessoas corriam de um lado para
outro. Os jovens que estavam na choperia invadiam e roubavam cervejas e as
distribuíam aleatoriamente, quando não, quebravam as garrafas no asfalto. Uma
senhora em estado de choque saiu pela janela do primeiro andar na tentativa de
subir para o telhado por uma corda improvisada por pessoas que já se encontravam
em cima da marquise do prédio, mas devido ao seu peso, a corda arrebentou e ela
caiu sobre as pessoas e teve sérios ferimentos. A ambulância também não
conseguia transitar.
Foi um
verdadeiro alvoroço. Pessoas machucadas, roubadas, lojas saqueadas, turistas
sem poder se mover. O caos tomou conta da cidade. O pânico era total. Ás 23:15
hr a energia voltou. Novamente uma gritaria seguida de um grande silêncio.
Envergonhados com suas atitudes as pessoas começaram a sair discretamente.
Os
semáforos voltaram a funcionar desobstruindo o trânsito, livrando os automóveis
em poucos minutos.
As ruas ficaram vazias, todos voltaram para suas casas, e os
turistas para seus hotéis. O dentista atravessou a praça e entrou em seu apartamento. A
família de nudistas olhava da sacada como se nada tivesse acontecido.
E aqui
da janela do hotel, vimos a polícia fazendo uma varredura na cidade e
improvisando fitas colorias em frente as lojas saqueadas para protegê-las. As
ambulâncias levavam os últimos feridos e o corpo de bombeiros após apagar um
princípio de incêndio também se retirou. Ás 24:00 hr tudo estava como antes.
Se não
tivéssemos visto, não acreditaríamos que um dia esta cidade tão pacata, passou
por tanta violência e confusão por causa de um blecaute.
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